Evasão escolar é um dos principais problemas da educação no Brasil
“Educação” é a resposta que está na ponta da língua quando se fala em diversas grandes questões brasileiras, da participação política à segurança pública. Ao mesmo tempo em que os problemas abundam e que discutir respostas para uma área tão ampla, num país de proporções continentais, pode parecer uma missão quase impossível, alguns índices avançaram.
Um deles foi o aumento de crianças e jovens em sala de aula. Em 1980, 40% da população brasileira entre 7 e 14 anos estava fora da escola. Já em 2017, 99,2% das crianças e adolescentes desta mesma faixa etária frequentam a escola. Os dados são do último Censo Escolar, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Da creche ao Ensino Médio, nas redes pública e privada, foram registradas 48,5 milhões de matrículas nas 181,9 mil escolas de educação básica.
Mesmo com esse avanço, o levantamento do Inep também mostra que 2 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola. São nos anos finais do ensino básico que os números se acentuam: 1,3 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos não está estudando. Em comparação com 2014, as matrículas no Ensino Médio caíram 7,1%. À época da divulgação do Censo Escolar 2018, o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Sampaio, creditou a redução nas matrículas a uma série de fatores. “Isso se deve tanto a componentes demográficos, quanto à melhoria no fluxo no ensino médio, no qual a taxa de aprovação subiu três pontos percentuais de 2013 a 2017. A queda também pode ser explicada pelas altas taxas de evasão e da migração de alunos para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)”, explicou em nota.
Nem os grandes centros escapam desse esvaziamento do Ensino Médio. Divulgado em abril de 2018, o Diagnóstico Social da Infância e Juventude de Curitiba apontou que, apenas na capital, 20.266 jovens (24,8%) entre 15 e 17 anos estão fora da escola.
“O ensino médio tem um desafio de acesso. Nós teríamos que ter mais crianças entrando e conseguindo concluir o ensino médio”, aponta a coordenadora de Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Rebeca Otero. Para ela, os altos níveis de abandono nessa fase da vida escolar mostram um déficit de aprendizado que prejudica a progressão do aluno. “Há uma baixa taxa de conclusão porque existe uma deficiência grande na fase anterior, no Ensino Fundamental.”
Na prática, os números de evasão mostram uma dificuldade de retenção dos alunos em sala de aula e ilustram aspectos da educação que precisam ser melhorados. Entram nessa lista a qualidade do ensino, a formação dos professores, a estrutura das escolas e os níveis de aprendizado. “Se o estudante não se sente engajado a estudar, se não percebe que a escola é acolhedora – não só que a escola recebe bem, mas também que consegue ensinar esse jovem – dificilmente ele vai querer estar ali”, diz o superintendente da Educação da Secretaria de Estado de Educação do Paraná (Seed-PR), Raph Gomes Alves.
Um exemplo presente em algumas escolas estaduais no Paraná que, segundo Alves, ajuda a aumentar o interesse desses alunos é o modelo de “salas-ambiente”. Nessa metodologia, cada professor ou cada disciplina tem uma sala de aula própria e quem se movimenta de um espaço para outro são os alunos. Além dos benefícios de simplesmente mudar de ambiente nos intervalos das aulas, esse formato dá a possibilidade de tornar único cada espaço de aprendizado, com materiais de apoio específicos para cada matéria.
Trabalho integrado e formação continuada
No entanto, a concretização de projetos como esse depende, primeiramente, de uma boa gestão educacional – das secretarias de educação às coordenações pedagógicas dos colégios – que parta de um projeto bem definido, com objetivos claros e embasada em estatísticas. Nesse sentido, o Brasil vem construindo uma base de dados sólida, a partir de avaliações a nível nacional, como o Censo Escolar e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ambos do Inep, e da implementação de mapeamentos estaduais, como a Prova Paraná.
A escola também deve saber aonde quer chegar. “Redes e escolas que têm bons resultados, tanto aqui quanto fora do país, têm alguns aspectos em comum. Para obter bons resultados, é preciso que professor, diretor e secretarias tenham uma clareza muito forte do que aquele estudante tem que aprender naquela escola. E isso está dentro de um currículo sólido, porque se eu sei o que eu quero que ele aprenda, vou ter que pensar em bons professores (que conheçam aquele currículo e consigam fazer com os alunos aprendam) e bons gestores (que saibam pensar o espaço da escola, a organização de horários e o apoio ao estudante)”, pontua Alves.
“Sobretudo num momento em que o governo federal se mostra muito oscilante, é muito importante que os governos estaduais e municipais tenham propostas claras. Isso só é possível se a gente tiver boas avaliações, souber quem são nossos professores e estudantes da educação básica e produzir políticas adequadas para atendimento a essas populações. Esses dados existem e precisam ser utilizados”, enfatiza o diretor da FE-USP. É necessário, ainda, que projetos pedagógicos sejam implementados com consistência, reservando um período adequado para que se possa averiguar se os métodos adotados funcionam ou não – independentemente de mudanças nos quadros de gestores e governantes.
As duas coisas – avaliações de desempenho e um currículo forte – devem andar juntas, monitorando o alcance das metas e atentando para eventuais lacunas. Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que define o conjunto de aprendizagem essenciais que todos os alunos devem desenvolver na Educação Básica, é uma ferramenta importante. Homologada para toda a Educação Básica ao final de 2018, é a partir da BNCC que estados e municípios devem organizar seus currículos.
Outro aspecto de vital importância para buscar soluções na educação é o investimento nos professores. “O professor é um elemento-chave quando falamos em ensino básico. A gente tem que melhorar a formação inicial, porque os nossos docentes, hoje, não estão saindo [da graduação] preparados para o jovem que ele encontra nas escolas. Temos que rever o currículo das licenciaturas”, acredita Rebeca.
Em paralelo a isso, o Estado, seja através das secretarias de educação ou das universidades, deve possibilitar a formação continuada desses docentes. “Por exemplo, temos a nova BNCC e os professores precisam ser formados nessa base”, opina a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil. Também deve-se capacitar os profissionais da educação para integrar as novas tecnologias ao ensino. “A tecnologia tem que ser usada de uma forma que beneficie a educação. Então é importante que o professor tenha esse manejo, esse conhecimento.”
Para que tais atividades formativas sejam eficientes, não é preciso apenas dinheiro, mas também tempo. O diretor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Marcos Neira, conta que há escolas e secretarias municipais com bons resultados que preveem, dentro das horas-atividade dos professores, momentos em que vários docentes, de diferentes escolas, se reúnem para trocar experiências e buscar soluções para as questões que encontram no cotidiano.
A valorização dos profissionais da educação, tanto do ponto de vista de remuneração quanto da oferta de atividades de especialização, também se reflete em mais qualidade de ensino. Um docente apoiado por uma direção e coordenação pedagógicas fortes e que não precisa trabalhar em mais de uma escola passa a conhecer aquele ambiente, dizem os especialistas.
“Quando prepara a aula, o professor tem que fazer isso pensando nos seus alunos. O ideal é que ele trabalhasse numa escola só, fosse bem remunerado e tivesse condições para ser formar adequadamente”, lista o pesquisador da USP. Raph Alves concorda. “Quanto mais conseguir fixar o professor [em uma só] escola, melhor. Assim ele vai conseguir se dedicar mais àquela escola e ao projeto pedagógico. Vai criar vínculos e querer se engajar para mudar a vida daqueles estudantes”.
Analisando os resultados do Ideb é possível ver como isso pode funcionar na prática. Levando em conta os resultados de 2013 a 2017, apenas os alunos dos primeiros anos do Ensino Fundamental alcançaram as metas definidas pelo Plano Nacional de Educação. Para Neira, isso é explicado pelo modelo completamente diferente adotado pela maioria absoluta das escolas de 1º a 5º ano, em que apenas um professor ministra todas as disciplinas. “Quando você tem a sua turma, se organiza para trabalhar com ela, fica quatro ou cinco horas com a turma, desenvolve atividades pensando [especificamente] nela”. Isso possibilita que os professores conheçam melhor os pontos fortes e fracos dos alunos. “A gente tem que pensar na aprendizagem do aluno, não no que a gente vai ensinar. Como é que vamos garantir a qualidade se o professor vai saltando de sala em sala e escola em escola?”, questiona.
O papel da escola
Toda e qualquer solução que se busque para a educação brasileira se norteia, antes de mais nada, pela definição de qual papel a escola deve desempenhar. Como menciona Neira, o formato de ensino adotado hoje deve ir além do be-a-bá e ajudar a formar cidadãos. Em um relatório de 1999, a Unesco define os quatro pilares que devem conduzir as políticas e modelos educacionais: aprender a conhecer (adquirir instrumentos de compreensão), aprender a fazer (para poder agir sobre o meio), aprender conviver (cooperação com os outros) e aprender a ser (incrementar a capacidade de discernimento e assumir responsabilidades para objetivos do coletivo).
Assim, é preciso que o sistema educacional ampare e tenha condições de lidar e ajudar a desenvolver habilidades socioemocionais. Entram nesse guarda-chuva características como autoestima, saber lidar com sentimentos e emoções, respeitar diferenças, trabalhar coletivamente, saber se posicionar, saber tomar decisões e propor a resolução de problemas. “Não existe mais educação que não contemple isso e seja de qualidade”, ressalta Rebeca.
“Não adianta eu continuar dando uma aula em que eu falo e os alunos escutam. Essa é uma aula pouco interessante e que não desenvolve competências super importantes, que o mundo pede hoje”, opina o superintendente da Educação da Seed-PR. “O jovem tem muito interesse na tomada de decisões. Se ele percebe que é parte das discussões, tem mais chances de se engajar. Por isso, as escolas que seguem esse modelo de diálogo, em que se percebe as habilidades que aquele estudante tem, que têm até mesmo monitoria de outros alunos, são escolas que reforçam o que cada um tem de melhor. Os alunos percebem aquele espaço como um lugar de construção coletiva.”
Rebeca indica, ainda, a qualidade do ensino como um grande desafio da educação brasileira. Em uma taxa estagnada há uma década, três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no país são considerados analfabetos funcionais, segundo o Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf) 2018. Esses 29% equivalem a cerca de 38 milhões de pessoas, que muitas vezes passam pela escola, mas saem do sistema sem conseguir compreender textos e localizar informações.
“A qualidade do ensino está muito ligada à aprendizagem, mas também à equidade (dar educação de qualidade para todo mundo equitativamente) e à inclusão (de populações que estão mais para ‘fora’ [do sistema educacional] e tem mais chances de sair da escola). Para a educação ser de qualidade, tem que ser de qualidade para todos. E o país que tem que ter uma educação de qualidade, porque só assim ele vai se desenvolver”, conclui a especialista da Unesco.
Fonte: Jéssica Maes – Gazeta do Povo
Data: 28/04/2019