País precisa investir R$64 bi até 2024 para alcançar meta no ensino superior
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) mostra que o governo terá de investir R$ 64 bilhões no setor até 2024 para que o Brasil atinja a meta fixada pelo Plano Nacional de Educação (PNE). O educador e novo presidente da ABMES, Celso Niskier, pondera que o número corresponde a 6%, em cinco anos, do montante que se pretende economizar com a Reforma da Previdência em dez anos.
Em entrevista ao Valor, o educador e reitor da UniCarioca, instituição com cerca de 15 mil alunos, diz que a decisão do governo de retirar recursos da área de humanas não afeta o setor privado, diante da autonomia das instituições, mas observa que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) já reserva vagas para áreas prioritárias. Ele é favorável à gravação das aulas diante do inevitável uso da tecnologia, mas afirma que deve haver consenso entre as partes.
O presidente Jair Bolsonaro anunciou a decisão de descentralizar investimentos nos cursos de filosofia e sociologia, mas Niskier pondera que as “faculdades particulares têm autonomia para criar seus cursos conforme os interesses do mercado”. Afirma, entretanto, que não é grande a procura por cursos na área de humanas no setor privado. Uma exceção é a Pedagogia. “É o curso com maior procura no ensino à distância; é relevante porque o Fies identificou como área crítica a necessidade de professores qualificados”.
Ele ressalta que Bolsonaro não inova ao definir prioridades na educação superior. No início de 2016, ainda na gestão Dilma Roussef, o Fies passou a reservar 70% das vagas para áreas prioritárias: engenharia, saúde e formação de professores. Hoje esse percentual caiu para 60%, mas ainda vigora.
Sobre a gravação de professores em sala de aula, estimulada pelo próprio Bolsonaro nas redes sociais, Niskier pondera que se tornou uma realidade “comum nas salas de aula modernas”, sobretudo nos cursos de educação à distância, onde “tudo se pode gravar e reproduzir, desde que haja prévia autorização”. Como educador, ele diz que as aulas devem ser transparentes e mediadas pela tecnologia, mas o uso do audiovisual implica o consenso entre aluno e professor.
Filho do ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) Arnaldo Niskier, Celso Niskier toma posse no próximo dia 7, com a nova diretoria da ABMES. No dia seguinte, apresentará os estudos sobre a ampliação e aperfeiçoamento do Fies ao novo ministro da Educação, Abraham Weintraub. “O ministro Paulo Guedes quer economizar R$ 1 trilhão em dez anos, e nós estamos falando em 6% dessa economia ao longo de cinco anos”, argumenta. Para o Brasil alcançar a meta do PNE, é preciso que 33% da população entre 18 e 24 anos esteja matriculada no ensino superior em 2024. Atualmente, 18% dos brasileiros nessa faixa etária estão na universidade.
O cenário atual sugere que, mantida essa proporção, essa meta será inalcançável.
A retração de matrículas no ensino superior vem se agravando nos últimos anos. Até abril, apenas 16 mil vagas oferecidas pelo Fies foram preenchidas – de um total de 100 mil. “É o pior resultado até agora, já é 20% pior que o do ano passado, quando 80 mil foram preenchidas”. O receio do setor é fechar neste ano com 65 mil contratos assinados. No auge do programa, em 2014, foram 730 mil vagas preenchidas.
Os R$ 64 bilhões a serem aplicados no ensino superior em cinco anos implicam R$ 32,3 bilhões em investimentos nas instituições particulares (que abrigam 75% do total de alunos) e R$ 31,7 bilhões nas públicas. Com esses recursos, seriam criadas 200 mil novas vagas anuais no ProUni, e 250 mil no Fies para gerar 3,1 milhões de novas vagas em cinco anos. Segundo Niskier, mudanças feitas no Fies na gestão anterior de Michel Temer dificultaram o acesso dos estudantes. “O remédio matou o paciente, tornou-se um programa mais financeiro do que social”, criticou. Agora, ele diz que “não precisa dar pirueta nas costas”, basta ampliar e aprimorar o ProUni e o Fies que o atraso dos últimos anos poderá ser superado.
Para ampliar o Fies, a ABMES sugere que o governo volte a oferecer o financiamento 100% do curso – modalidade extinta nas últimas edições do programa. Num pacto com o governo, as instituições particulares poderiam oferecer descontos nas mensalidades, como uma “contrapartida social”.
Outra proposta é de que alunos comecem a pagar o financiamento desde o início, mesmo em valores módicos. “O aluno pode pagar, semestralmente, uma parte dos juros”, exemplifica. Ele pondera que, com a carência para começar a pagar ao final do curso, muitas vezes o aluno “esquece” da dívida, ou não se preparou para pagá-la.
Sobre as críticas à alta inadimplência do Fies, Niskier questiona por que o governo não recorre ao fundo garantidor do programa, hoje com saldo de R$ 12 bilhões. Trata-se do Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC), que passou à gestão da Caixa Econômica Federal no ano passado e tem sido utilizado para abater o déficit fiscal.
Um cálculo atualizado da dívida do Fies foi publicado pelo jornal “O Globo” no sábado passado e indicou um saldo de aproximadamente R$ 13 bilhões. Mas a ABMES contesta esse valor, que inclui parcelas com apenas uma semana de atraso. “A prática de cobrança tem que ser aprimorada, o governo não sabe cobrar”.
Niskier acredita que Weintraub pode se revelar um bom ministro pela formação em economia e gestão. “Me parece um nome adequado em termos de formação para discutir o futuro da educação”. Mas admite que a sucessão de mudanças no MEC deixou o setor da educação superior em compasso de espera.
O setor aguarda a nomeação da nova equipe para retomar o diálogo sobre a avaliação das instituições. “Queremos mais equidade, são 2 mil instituições particulares, desde grandes grupos empresariais até as filantrópicas, inclusive pequenas instituições com menos de mil alunos”, enumera. “As pequenas e as médias são analisadas pelos mesmos parâmetros que se aplicam aos grandes grupos. Queremos uma avaliação que reconheça as características regionais e valorize a responsabilidade social do setor”, completa.
Ele reconhece que o governo Bolsonaro quer dar ênfase à educação básica, mas ressalta que o setor de ensino superior pode contribuir para isso. “Hoje formamos 110 mil estudantes de Pedagogia, uma massa de gente para atuar na alfabetização e na melhoria do ensino básico”.
Fonte: Andrea Jubé – Valor Econômico
Data: 30/04/2019