“Universidade não é intocável, é de quem paga imposto”, diz secretário do MEC
Depois da apresentação do programa Future-se
pelo Ministério da Educação (MEC), algumas universidades federais espalharam a narrativa de que sua autonomia, concessão garantida pela Constituição, está perigosamente
ameaçada.
Ameaçadas, neste caso, não pelos péssimos indicadores de gestão em que se encontram, mas pela iniciativa do Ministério da Educação.
Às academias, o programa, que nem chegou a ser enviado ao Congresso Nacional, e teve o fim de sua consulta pública nesta sexta-feira (29), seria, dizem, um disfarce para privatizá-las
.
Para Arnaldo Barbosa Júnior, secretário de Educação Superior do MEC, argumenta dessa forma quem não quer contribuir para o aperfeiçoamento da qualidade da educação
. Ele também lembra que a adesão ao programa será voluntária.
Mas há algo que o MEC exige: desempenho. E os bons indicadores devem ser apresentados, sobretudo, porque a universidade é um bem público
, sustentada pelos tributos que a sociedade paga.
Barbosa conversou com a Gazeta do Povo sobre o programa Future-se e a autonomia universitária. Leia a seguir:
Um dos principais argumentos utilizados contra o Future-se é o de que, ao aderir voluntariamente ao programa, as instituições perderiam autonomia universitária, garantida pela Constituição. Por que o projeto não fere a autonomia?
Quem fala em ferir autonomia não quer contribuir para o aperfeiçoamento da qualidade de educação, e está se concentrando em construir guerras de narrativas. Isso não é positivo para o Brasil que a gente quer.
Não há o que temer sobre o Future-se, primeiramente, porque ele visa fortalecer a autonomia financeira das universidades públicas federais. A instância máxima das instituições é o Conselho Superior, que aprova ou rejeita a adesão a qualquer projeto. A adesão só poderá ser feita após a aprovação do Congresso Nacional, e os conselhos que têm se manifestado contra o projeto, na verdade, não entenderam que a consulta pública que fizemos é para aperfeiçoá-lo.
Os questionamentos levantados, na verdade, têm a ver com o papel das organizações sociais e fundações de apoio, que são prestadoras de serviço. E esses serviços serão efetuados apenas se aprovados pelo Conselho Superior da universidade que aderir. O Ministério da Educação não dispõe sobre nenhuma atividade das universidades. São elas que, dentro do orçamento que têm, alocam e decide os recursos.
De que forma a autonomia financeira será fortalecida, na prática?
A despesa obrigatória da universidades é crescente, ou seja, a cada ano que passa, elas têm menos orçamento discricionário. A despesa com pessoal representa, em média, 85% do gasto total. Mas o Future-se, além de garantir o orçamento público, gerará receitas adicionais, que poderão ser alocadas em pesquisa, assistência para estudantes. São benefícios a mais.
A educação é um bem público e, dessa forma, recebe subsídios da sociedade por meio da tributação. Isso significa que a universidade é gratuita para o aluno, mas alguém paga essa conta, e quem paga é a sociedade – geralmente os mais pobres. A universidade tem obrigação de gerar resultados positivos, benefícios econômicos e sociais.
Mas é importante deixar claro que essas instituições precisam prestar mais contas no que diz respeito à governança. Queremos que fique claro que todo tributo repassado está sendo alocado da melhor forma possível.
Mas elas já não prestam contas, não são auditadas?
Prestar contas não quer dizer só digitalizar documentos, mas significa que a sociedade deve estar satisfeita com os serviços prestados. Autonomia também é prestar mais contas e ter melhor governança.
Nós somos apaixonados pela universidade, mas também somos exigentes. As universidades podem fazer mais, seja em relação aos desempenhos nos rankings internacionais, seja com um melhor índice de empregabilidade e inovação.
Em relação à governança, de 63 universidades, 86% estão abaixo do índice de 50% governança do TCU. Nós precisamos prestar melhores resultados. Somente quatro universidades e institutos federais têm um índice satisfatório, que é acima de 70%.
O ministro Abraham Weintraub insiste na frase autonomia não é soberania
. Do ponto de vista jurídico, é impossível que a universidade seja soberana, pois esse é um atributo exclusivo do Estado. O que ele quer dizer, então, quando repete isso? Existem situações em que as universidades ultrapassam sua autonomia?
Existe, sim, uma minoria barulhenta que não representa o mundo acadêmico e, muitas vezes, passa do ponto. Diversas vezes, a universidade passa a mão na cabeça de alguns alunos. O ministro [Abraham Weintraub] acredita no potencial da educação, e ele realmente tem uma comunicação efetiva no sentido de que nós podemos mais. Recorrentemente, ele tem dito que é preciso separar o joio do trigo
na educação.
A universidade não é intocável, ela é da sociedade brasileira. Na questão de segurança, por exemplo, é preciso dar maior proteção possível aos professores e alunos. O MEC entende que os parlamentares, que são os representantes da sociedade, independentemente de partido político, devem poder transitar com a maior segurança possível dentro dos campi.
É preciso mais segurança, um ambiente acadêmico fértil e saudável, onde os estudantes possam compartilhar seus conhecimentos, reduzir as taxas de evasão, gerar mais emprego e, acima de tudo, mais investimento para aquela região local, permitindo um desenvolvimento econômico social. É preciso saber valorizar o que a gente tem, e focar em atividades acadêmicas que vão ampliar o conhecimento e gerar um grau de empregabilidade maior.
A pasta afirmou que premiará de acordo com bons indicadores. Isso significa meritocracia, ou alguma área será priorizada, como a de tecnologia, por exemplo?
Quem tiver maior impacto em produção científica vai receber mais recursos. É uma regra universal de premiar desempenho.
A área de medicina brasileira tem 85% do impacto da produção científica americana e recebe menos recursos do que outras áreas, como a de ciências sociais.
Bolsas da Capes e do CNPq são concessões do próprio Ministério da Educação e do Ministério da Ciência e Tecnologia, respectivamente. Com o recurso extra que a universidade tiver, ela pode conceder bolsa para o curso que ela quiser.
O modelo paulista de autonomia
universitária é bastante elogiado. Há alguma intenção por parte do MEC em adotá-lo, de alguma forma, para as universidades federais?
As paulistas são referência em partes. O MEC não gosta de receita carimbada, como a que as estaduais paulistas têm, através do repasse do ICMS. É receita adicional, que não deixa de ser uma parceria público privada. Quem paga imposto é o setor produtivo.
As universidades paulistas estão à frente das universidades federais porque focam mais em pesquisa, e porque limitaram a despesa de pessoal. Hoje, um professor da USP ganha menos que professores das federais. Mas mesmo as paulistas estão aquém do potencial brasileiro. Temos que focar em ser tops
do mundo.
Nós defendemos uma autonomia de sustentabilidade financeira intertemporal. É mais receita, mas também controle da despesa, permitindo alocar mais recursos em pesquisa, especialmente. Querer mais e acreditar é que nos torna mais exigentes e comprometidos com todo esse processo de governança e empreendedorismo.
É possível falar em números de instituições que já declararam adesão ao Future-se?
Não temos números, mas a adesão ao Future-se será muito mais forte do que a outros programas facultativos.
Essa guerra de números, de quantos vão aderir ou não, é muito superficial. Depois de aprovado o projeto, a adesão será feita a critério das instituições, não precisa ser uma discussão binária.
Vai ser uma adesão contínua, incremental e, acima de tudo, bem consolidada. Vamos conquistando os corações
aos poucos.
Fonte: Isabelle Barone – Gazeta do Povo
Data: 31/08/2019