O que o Nobel de Economia tem a ensinar para a educação brasileira
Parece óbvio: para investir em políticas públicas, é preciso desenvolver pesquisas criteriosas, que apontem como e onde o dinheiro aplicado traria os melhores resultados.
A ciência dedicada a analisar evidências e extrair informações concretas, que possam sustentar ações eficazes, evoluiu muito nos últimos anos, na medida em que pesquisadores começaram a adotar, em outras áreas, um método de pesquisa que há décadas é padrão na medicina, por exemplo.
Trata-se dos experimentos randomizados controlados. A aplicação dessa metodologia para reduzir a pobreza rendeu a Michael Kremer, Abhijit Banerjee e Esther Duflo o Prêmio Nobel de Economia deste ano. Esther Duflo, aliás, é apenas a segunda mulher a receber a premiação nessa área.
Os três são fundadores do Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab, o J-PAL, um laboratório dedicado a produzir estatísticas de alto padrão para políticas públicas. “Essa metodologia forma atualmente o padrão ouro para as pesquisas em ciências sociais”, explica João Batista Oliveira, fundador e presidente do Instituto Alfa e Beto.
“São trabalhos implementados com um cuidado muito grande, a fim de estabelecer relações entre as intervenções e os resultados de experimentos realizados em larga escala”, ele explica. Tais estudos são controlados, no sentido de monitorar as variáveis, e randomizados, porque os integrantes dos experimentos são selecionados de forma aleatória, a fim de evitar distorções. Em outras palavras, as pesquisas do J-PAL são realizadas de forma a garantir o resultado mais confiável possível, e que possa ser aplicado com eficácia em intervenções de larga escala.
Fundado em 2003, o J-PAL conta com 171 pesquisadores, de mais de 50 diferentes universidades, que já produziram mais de 850 estudos em 80 países, nas mais variadas áreas, incluindo agricultura, criminalidade, meio ambiente, finanças, saúde, mercado de trabalho, governança e educação. Os programas do laboratório já alcançaram mais de 400 milhões de pessoas.
Essa metodologia, e esses resultados, poderiam agregar muito às políticas públicas nacionais. Mas não é isso o que acontece. “O Brasil não costuma se apoiar em fatos para tomar decisões políticas em educação. Não gostamos de olhar para números e nos esforçar para analisá-los, que é o que a ciência faz”, afirma João Batista Oliveira. “Os ganhadores do Nobel pegaram uma ferramenta que já existia para aplicar a questões sociais. Com isso, encontraram evidências a respeito do que, de fato, funciona”.
No caso específico da educação, confira abaixo três conclusões dos estudos desenvolvidos pelo laboratório criado pelos ganhadores do Nobel de Economia 2019.
1. Aulas de reforço funcionam
Em qualquer lugar do planeta existem alunos com dificuldades em acompanhar o conteúdo transmitido em sala de aula. O J-LAB concluiu que os lugares que lidaram melhor com esse desafio são aqueles que colocaram à disposição dos estudantes serviços personalizados de reforço, com tutores adultos (e até mesmo colegas estudantes) disponíveis dentro da escola, para atender no horário letivo.
A análise de diferentes ações de tutoria, conduzidas no Chile, na Índia, no Quênia e nos Estados Unidos, indicam que o desempenho dos alunos envolvidos cresce, com outro efeito colateral positivo importante: mais estimulados, os estudantes faltam menos e, no limite, não abandonam a escola, como poderia acontecer se continuassem sem acompanhar o desempenho dos demais colegas.
2. É importante incentivar as famílias
Do ponto de vista dos mais pobres, a educação tem um custo, financeiro e pessoal, muito alto. São anos dedicados a enviar as crianças para a escola, em segurança, mais a estrutura mínima para garantir o tempo de estudos em casa. O J-LAB analisou programas que reduzem esse problema ao providenciar incentivos para os pais.
Concluiu que as ações mais eficientes atuam em duas áreas em especial: na redução da distância de casa até a escola e no tratamento de doenças nos jovens, desde vermes até anemia.
Além disso, conceder benefícios financeiros para as famílias cujos filhos assistem às aulas, seja em dinheiro e cestas básicas ou, principalmente, com uniformes, livros didáticos e refeições gratuitos, também funciona, ainda que tenha um custo alto para o orçamento dos governos. Todas essas são estratégias eficazes porque minimizam o esforço dos pais na tarefa de conduzir a educação das crianças.
3. Facilitar o processo de matrícula faz diferença
Excesso de burocracia na hora de inscrever as crianças em escolas leva muitos pais a desistir, ou simplesmente perder prazos. É um problema que reforça disparidades sociais, já que famílias com menor acesso a informação são as que têm a maior tendência a não efetivar a matrícula.
A análise de ações realizadas nos Estados Unidos e no Canadá visando a simplificação do processo de inscrição e colocando funcionários à disposição das famílias com dúvidas comprovou que essa é uma estratégia simples e eficaz.
Fonte: Tiago Cordeiro, especial para a Gazeta do Povo
Data: 19/10/2019