Coronavírus e o ensino a distância
Diante da recomendação de suspensão de aulas presenciais devido ao coronavírus, algumas universidades e escolas anunciaram que utilizarão tecnologias a distância para manter ao menos parte de suas atividades. Obviamente, trata-se de uma decisão excepcional num contexto de preocupação maior com a saúde pública, mas que terá impactos bastante distintos nos ensinos superior e básico.
No caso do superior, o setor está certamente mais preparado para adaptar suas atividades. Esta modalidade vem crescendo de forma exponencial no Brasil, e o Censo da Educação Superior de 2018, divulgado no ano passado pelo Inep, mostrou que pela primeira vez o número de vagas a distância ofertadas pelas instituições de ensino superou o de presenciais.
Especialmente no setor privado, que concentra quase 80% das matrículas, quase todos os grandes grupos de ensino têm já departamentos estruturados para atividades a distância. A depender do tamanho e da infraestrutura para absorver essa demanda temporária, é provável que a ausência de aulas presenciais seja mitigada por essa estrutura.
Num país com dimensões continentais como o Brasil, é positivo que tenhamos já essa capacidade instalada. O que preocupa, como já escrevi aqui, é que o crescimento a distância está muito concentrado em grandes grupos do setor privado, e em cursos com baixo conceito no Enade, a avaliação feita pelo Inep com universitários. Além disso, é preciso considerar também que a evasão nessa modalidade é maior do que na presencial. Mas o uso dessa ferramenta numa situação excepcional e temporária não deve ser motivo de grandes preocupações no ensino superior.
No caso da educação básica, o quadro é bastante distinto. Somente em 2018, com a aprovação das novas diretrizes para o ensino médio, a legislação passou a permitir a oferta da modalidade a distância para alunos do curso regular. Mesmo assim, ela é limitada a 20% no ensino diurno e a 30% no noturno, e ainda são poucas as redes que já fazem uso da tecnologia (este, vale lembrar, foi um dos pontos mais polêmicos da reforma do ensino médio). Não há, portanto, escolas de ensino fundamental ou médio no país que ofereçam carga horária majoritariamente a distância (a única exceção está na Educação de Jovens e Adultos). Mesmo em escolas particulares, o uso de tecnologias que permitem substituir aulas presenciais por virtuais ainda é pequeno.
Mas há países que permitem o funcionamento de escolas na modalidade a distância para crianças e jovens na educação básica. É o caso dos Estados Unidos. Os resultados acadêmicos dessas instituições, no entanto, são péssimos. Um estudo feito pelo Credo (centro de pesquisas educacionais baseado na Universidade Stanford) comparou o desempenho de alunos de 158 escolas on-line com o de estudantes de mesmas características em colégios presenciais. A diferença no desempenho em linguagem era equivalente ao que se espera que um /aluno aprenda em 72 dias de aula em leitura e a 180 dias em matemática, o que, nesse último caso, equivale quase a dizer que o aluno não aprendeu nada ao longo do ano.
No ensino superior, mesmo que os resultados não sejam os mesmos na comparação entre as duas modalidades, sabe-se que há alunos que se adaptam melhor ou pior à educação a distância. No caso do fundamental e do médio, em se tratando de crianças e jovens, a tecnologia até o momento não se mostrou capaz de substituir a interação presencial entre alunos e professores. Mas é claro que, numa situação excepcional, é válido o esforço de manter estudantes engajados. Apenas não devemos esperar os mesmos resultados.
Sem aulas presenciais devido ao coronavírus, universidades e escolas usarão tecnologias a distância para manter atividades.
Por Antônio Gois, O Globo.