Games na educação: de antagonistas a grandes aliados
Os games podem ser ótimas ferramentas para ajudar a modernizar o ensino tradicional e tornar o aprendizado mais divertido
Os jogos eletrônicos estão em todos os lugares, na palma da sua mão com smartphones e tablets, no seu computador, nos tradicionais consoles e até mesmo rodando diretamente nas TVs. Vistos como vilões no passado, por teoricamente incentivarem a violência e a dispersão nos jovens, parece que o jogo virou agora (com o perdão do trocadilho) e cada vez mais os games estão sendo usados como ferramentas extras no processo de ensino.
Os games têm a capacidade de transcender a barreira de um simples passatempo e ajudar a levar o lúdico, a interatividade, para salas de aula. Jogar videogame, de uma forma geral, estimula a capacidade de percepção, te incentiva a tomar decisões rápidas, a calcular riscos, a gerenciar diversos elementos ao mesmo tempo, a errar e aprender com isso.
Greg Toppo, repórter especialista em educação do USA Today e autor do livro “The Game Believes in You” (“O Jogo Acredita em Você”, em tradução livre) escreve que “após décadas de ambivalência, suspeitas e às vezes hostilidade, os educadores estão começando a descobrir os encantos dos jogos e simulações digitais e, no processo, reescrevendo regras centenárias de aprendizado, motivação e sucesso”.
Já o The Washington Post afirma que “as escolas são a fronteira final para os videogames e sua adoção tem sido lenta, mas está ganhando cada vez mais adeptos”. Estamos lidando com crianças e adolescentes da era digital. É natural que os antigos métodos de ensino, quase que majoritariamente analógicos, não causem o mesmo impacto que há décadas passadas.
Gamificar alguns processos educativos, ou seja, passar para o aluno o conteúdo da grade escolar de uma forma mais atrativa e que fale a língua desse jovem, cada vez mais digital, tem sido uma alternativa usada por vários educadores, inclusive no Brasil, e que tem trazido um retorno bem positivo.
Neste especial, você conhecerá uma professora que ensina História para seus alunos com Assassin’s Creed e outros jogos; a própria Ubisoft (desenvolvedora desta série) também fala sobre todo o trabalho minucioso de pesquisa que é feito para criar o game e, ainda, a Microsoft explica como Minecraft tem mudado o conceito de gamificação na educação.
O “Salto da Fé” de uma professora de História
O “Salto da Fé” (ou “Leap of Faith”) representa o clássico pulo no game Assassin’s Creed, onde o protagonista precisa confiar em suas próprias habilidades, se jogar de algum lugar bem alto e conseguir aterrissar em segurança.
Fazendo uma analogia com o mundo real, este conhecido movimento foi adaptado para a educação pela professora Marili Bassini que acreditou numa ideia e conseguiu implementar, com sucesso, a dinâmica dos jogos eletrônicos em suas aulas.
A professora e pedagoga Marili Bassini é graduada em História (PUC-Campinas) e mestre em História Cultural (UNICAMP). Atualmente, ela é docente e sócia no Iter Cursos e pré-vestibular e professora no NEI (Núcleo de Educação Integrada) da Fundação Romi. Marili também dá aulas na Rede Anglo (SP), em São Pedro, Piracicaba e Capivari. Além de História, ela também trabalha com Filosofia e Sociologia.
Marili, que já trabalhava com novas tecnologias na educação, começou a perceber os games com outro olhos ao observar a temática de alguns jogos e notar que muito do que ela própria ensinava em aula estava ali. “Percebi que conseguia me aproximar ainda mais (…) [dos alunos adolescentes] ao comentar dos jogos. Aí, foi paixão na primeira vez que levei o jogo para sala. Não parei mais e fui aprofundando”.
Marili conta ao Tecnoblog que, no início, a maior resistência veio dos próprios colegas de trabalho. “Teve um colega de área que chegou a me chamar de louca no começo, mas depois que viu o resultado se rendeu. Ficou deslumbrado com o envolvimento dos alunos”, comenta.
Contando com o apoio das coordenações e direção das escolas em que atua com o projeto de games, a professora deixa claro que os estudantes são os grandes protagonistas de todo o processo.
“Os próprios alunos davam dicas de jogos que eu não conhecia e ia atrás para saber. Ninguém faz nada sozinho. É um somatório de esforços e eles são as grandes estrelas. (…) A gente aprende junto”, diz a educadora. “Daí para frente o resultado tem surpreendido a todos nós. O envolvimento dos alunos e a concentração durante as aulas (…) nos surpreenderam”.
Marili afirma que é possível estimular os alunos de diversas maneiras com os games: desde aumentando o interesse pela pesquisa até o refinamento das informações, como saber selecionar fontes confiáveis, ter uma visão crítica sobre os assuntos, trabalho em equipe e etc.
“Aposto que esse é o futuro, essa dinâmica diferenciada, essa escola reinventada, um professor diferente. Um professor que só vai ajudar ‘a juntar os pontinhos’, o resto o próprio aluno vai fazer”, enfatiza Marili ao falar da gamificação nas salas de aula. “Eu, particularmente, acho que esse é futuro da educação”.
E como escolher qual jogo levar para a sala de aula? Marili conta que começou o projeto de games com Detroit: Become Human, onde foram debatidos assuntos como filosofia, história e literatura. Em seguida, ao trabalhar com alguns títulos da série Assassin’s Creed, Marili passou a promover entre os alunos novas discussões e trabalhos interdisciplinares.
“A escolha [do Assassin’s Creed] se deve ao caráter histórico da franquia e a abordagem dos temas”, explica. “A ideia é aprofundar naquilo que é histórico na série e aquilo que não é também, mostrando os limites da pesquisa, como ela tem que ser feita para alcançar os fatos históricos e a seleção das fontes de informação”, pontua a professora que pretende usar Battlefield no futuro, também pelo apelo histórico.
A cápsula do tempo de Assassin’s Creed
Como a professora Marili Bassini adiantou, a série Assassin’s Creed é conhecida pelo forte apelo histórico, mesmo fazendo algumas adaptações necessárias para se viabilizar o gameplay. Quem continua a explicar o processo minucioso feito durante o desenvolvimento de um game da franquia é Maxime Durand, Coordenador de Produção e Historiador da Ubisoft.
Maxime afirma ao Tecnoblog que todo Assassin’s Creed foi criado com a ajuda de historiadores e consultores. Ele explica, ainda, que o processo de se criar o cenário e os detalhes do jogo começa com uma pesquisa profunda das eras históricas, personagens marcantes desses períodos e locais relevantes. Esse trabalho é constante durante todo o desenvolvimento do game.
Mesmo com toda a pesquisa, o historiador diz que recriar um passado perfeito é impossível. “Nós apenas temos fragmentos disso [do passado] e, possivelmente, perdemos elementos muito importantes”, conta Maxime. “Mesmo assim, o time ainda pode trabalhar com o que restou ao fazer um sério trabalho de pesquisa e documentação. Para isso, contamos com nossos consultores e uma grande quantidade de referências em livros, revistas históricas, artigos especializados, arquivos online e em museus, e documentos arqueológicos”, explica.
Apesar de alguns educadores usarem a série Assassin’s Creed em salas de aula, Maxime diz que não há uma parceria em específico com centros de ensino. No entanto, observando esse enfoque mais educacional do game, a Ubisoft criou um modo dedicado a isso.
“Em Assassin’s Creed Origins e Assassin’s Creed Odyssey você tem o modo ‘Discovery Tour’. Nele, é possível passear livremente, explorar e aprender sobre locais e civilizações ancestrais sem precisar se preocupar com aspectos da campanha normal do jogo”, conta Maxime. “Dessa forma, todos podem descobrir e aprender no seu próprio tempo ou, se quiserem, também embarcarem numa visita guiada feita com a curadoria de historiadores”.
O modo Discovery Tour é um update gratuito para todos que já possuem Assassin’s Creed Odyssey e Origins nos consoles e PC. Adicionalmente, a Ubisoft oferece a versão “standalone” (separada; sem a necessidade do jogo base) no PC, a um baixo custo, para ser mais acessível a professores e estudantes.
“Mesmo educadores e alunos que não tenham um computador bem equipado, ou um console, ainda podem se beneficiar com o Discovery Tour. Nós temos 30 viagens guiadas disponíveis no canal de Assassin’s Creed, no YouTube”, destaca Durand.
Um mundo criativo feito de blocos
Recriar aspectos de civilizações antigas num game é mesmo um grande desafio, especialmente ao tentar ser o mais fiel possível aos acontecimentos de uma época passada. Mas e se você tivesse a oportunidade de criar seu próprio mundo, livremente, bloco por bloco?
Com esta premissa, viajamos do universo interativo dos acontecimentos históricos para um outro lugar, onde sua imaginação e criatividade são seus únicos limites. Minecraft é um jogo do tipo “sandbox”, ou caixa de areia (em tradução livre), onde é possível explorar, quebrar, construir, criar aventuras e etc. Criado em 2011 por Markus “Notch” Persson, o jogo foi posteriormente obtido pela Microsoft, em 2014.
Por seu aspecto visual bem colorido e, principalmente, sem demonstrações gráficas de violência, Minecraft desde sua criação caiu nas graças de crianças, adolescentes e educadores – que viram no sandbox uma ótima ferramenta para desenvolver a atenção e o raciocínio dos alunos.
Vera Cabral, Diretora de Educação da Microsoft Brasil, explica em entrevista ao Tecnoblog que dado o apelo educacional (além do entretenimento em si) que Minecraft tem, a Microsoft possui diversas parcerias com instituições de apoio ao ensino, além de uma plataforma que reúne vários modos de aprendizado usando o game.
“O Minecraft: Education Edition é uma plataforma de aprendizado baseada em jogos que desenvolvem habilidades STEM (sigla para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em inglês), liberam a criatividade e envolvem os alunos na colaboração e na solução de problemas”, ressalta Vera. “A plataforma oferece recursos especiais projetados para uso educacional, incluindo ferramentas de avaliação e multiplayer em sala de aula para permitir, aos alunos, o trabalho em conjunto no ambiente imersivo do jogo”.
Além dos centros de ensino, Vera destaca que, em março deste ano, a empresa anunciou um pacote grátis de acesso ao Microsoft Education Collection, que está disponível para download gratuito até 30 de junho de 2020.
“Com centenas de crianças em casa devido ao fechamento de escolas, as famílias têm de lidar com a necessidade de ajudar seus filhos com o ensino remoto e equilibrar isso com o tempo para se divertir. Por isso, anunciamos a adição de uma nova categoria de Educação ao Minecraft Marketplace, com conteúdo educacional gratuito para os pais fazerem download”, explica a diretora.
Vera conta que a Microsoft já conduziu outros projetos na área da educação e, em abril deste ano, apresentou o 2020 Minecraft Education Challenge. O desafio de construção virtual convidou estudantes de todo o mundo a aprender sobre sustentabilidade e inclusão. As soluções propostas foram projetadas com o Minecraft: Education Edition.
“Os desafios são sempre uma ótima maneira de envolver os alunos na solução criativa de problemas e na aprendizagem baseada em projetos”, explica a diretora. “O Minecraft: Education Edition incentiva a colaboração e a comunicação, além de criar um senso de humor e diversão, o que é especialmente relevante neste momento de suspensão do convívio social”.
Games na educação, por que não?
Os jogos eletrônicos são uma ótima forma de entretenimento e desafio, mas talvez estivéssemos nos limitando a apenas observá-los dessa maneira. Há alguns anos, e não estou falando de tanto tempo assim, cogitar a possibilidade de usar um game como ferramenta extra de ensino era considerado um absurdo.
O tempo passou, uma nova geração de estudantes quase que totalmente imersos no mundo digital já é uma realidade, e as escolas precisam buscar novas formas de cativar a atenção desse jovem informatizado. E por que não os jogos? Gamificar alguns processos educativos não apenas se provou eficaz quanto tornou o ensino mais dinâmico, interativo e divertido para alunos e educadores.
Como bem disse a professora Marili Bassini, “se você não gosta e não se diverte com aquilo que faz, deve ter alguma coisa errada”.
Por Tecnoblog