Após decisões para barrar volta às aulas, médicos pedem que CNJ garanta retorno das atividades
A recente “guerra” de determinações judiciais relacionadas à volta às aulas em escolas particulares no estado do Rio de Janeiro motivou um grupo de 29 médicos a assinar uma representação direcionada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cobrando medidas para garantir o retorno das atividades presenciais nas instituições de ensino. A ação ilustra o cenário de incertezas e indefinições pelo qual a educação brasileira passa, com manifestações favoráveis e contrárias ao retorno das aulas.
Um dos trechos da nota assinada pelos médicos afirma que “no momento em que houve permissão de abertura pelos órgãos legitimados (…) de bares, academias, comércio, cinemas, etc., não há razão sanitária que justifique a continuidade de fechamento de atividade essencial (escolas). Por sinal, em vários países os colégios já foram reabertos e só fecham pontualmente quando detectam a transmissão sem controle em determinadas escolas”.
As reviravoltas no Judiciário, que motivaram o abaixo-assinado, tiveram início no dia 10 de setembro, quando a Justiça do Trabalho concedeu uma liminar proibindo o retorno às aulas nas escolas e instituições de ensino superior particulares do estado do Rio de Janeiro, que estavam previstas para 14 de setembro. Três dias depois – em um domingo, véspera da data em que estava previsto o retorno das atividades –, o desembargador Carlos Henrique Chernicharo, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), derrubou a liminar, e autorizou novamente as escolas a retomarem as aulas. As atividades retornaram na segunda-feira (15), porém, no mesmo dia o desembargador Peterson Barroso Simão, do Tribunal de Justiça (TJ), revogou a decisão anterior, mantendo as atividades suspensas.
Consequências das aulas suspensas
A ação julgada pela Justiça do Trabalho em 10 de setembro – movida pelo Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região – reivindicava que o retorno às aulas presenciais ocorresse somente após a vacinação de professores e alunos ou ap´ss estudo técnico que comprovasse que a retomada seria segura.
Entretanto, para a médica neurocirurgiã Ana Camila Gandolfi – uma das integrantes do grupo – a indefinição gera insegurança jurídica e compromete o direito dos alunos à educação. “O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que cabe aos estados e municípios determinar as medidas de prevenção da pandemia. E, na medida em que outras decisões judiciais de primeira, segunda ou terceira instância contrariam tal determinação, imiscuindo-se nas atribuições de outro poder, há insegurança jurídica quanto à preservação dos direitos fundamentais, sobretudo o da educação, e de sustentação da nossa democracia”, afirma.
De acordo com o documento assinado pelos 29 médicos, o tempo prolongado sem as aulas presenciais “trará consequências graves para a atual geração de crianças e adolescentes, com aumento da pobreza educacional, o que cursará com grande impacto socioeconômico. A aprendizagem tem relação com o crescimento econômico futuro e é o meio mais eficaz para combater a desigualdade social”, ressalta o grupo.
A médica Daniela Barão Varalda, que também assina a representação, pontua também outras consequências de manter as atividades suspensas: impacto no desenvolvimento socioemocional dos alunos gerado pela falta de sociabilização; impasses no acesso à alimentação saudável na escola, em especial para os alunos em situações de vulnerabilidade; dificuldade de acesso às aulas online por parte de crianças e adolescentes com menos condições econômicas para obtenção de tecnologia e internet de qualidade; evasão escolar; dificuldade para os pais, que não têm com quem deixar os filhos enquanto trabalham; e até mesmo violência infantil.
Para Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), é preciso levar em conta as orientações publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), na segunda-feira (14), no guia atualizado com protocolos sanitários e medidas de segurança contra a disseminação do novo coronavírus na volta às aulas. As entidades afirmam que “os governos devem priorizar a continuidade da educação e o fechamento de instituições escolares só deve ser considerado em casos raros, quando não houver outras alternativas”.
Pereira destaca que as consequências de postergar mais a volta às aulas são incalculáveis: “À medida que se libera comércio, serviços, bares, restaurantes, a escola também deveria ser liberada”, observa. “Há muita insegurança jurídica em todos os aspectos”, opina o presidente da Fenep.
Sindicatos afirmam que não há segurança para a volta às aulas
Em todo o Brasil, grupos contrários ao retorno das aulas presenciais também se articulam para manter as atividades suspensas em seus estados e municípios. Esse é o caso do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) – em uma assembleia online realizada no dia 12 de setembro, a entidade definiu que não retornará as atividades em 2020 e que, caso o governo do estado decida pela volta às aulas, a categoria entrará em greve.
O presidente da APP-Sindicato, professor Hermes Silva Leão, afirma que a decisão baseia-se no entendimento de que colocar em circulação milhares de estudantes, professores e familiares aumentará a exposição à contaminação pelo Covid-19.
“Mesmo atendendo a todos os protocolos, a segurança do processo de trabalho não será dada. Por isso entendemos que o melhor cenário seria o governo já cancelar a retomada das atividades presenciais em 2020”.
O professor aponta a opção por recuperar os conteúdos não aplicados no ano letivo no pós-pandemia em lugar de colocar mais pessoas em risco. “Isso precisa ser levado em consideração em todo o debate de retomada das aulas para que mais vidas não sejam colocadas em risco pela flexibilização em um momento inadequado”, destaca.
A opinião é compartilhada por Camila Marques, professora e coordenadora geral do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe). Para ela, o convívio e a interação intensa entre os alunos – que poderia aumentar a contaminação entre os próprios alunos, os profissionais da educação e os familiares –, e as dificuldades que as escolas, principalmente as públicas, enfrentam para obter recursos que garantam as medidas de higiene e segurança impedem o retorno das aulas nas escolas brasileiras no atual momento.
“Manter o distanciamento dentro de sala de aula é inviável com o número de alunos que temos. Quanto às medidas de higiene, muitas vezes as escolas públicas sequer têm papel higiênico e agora dizem que vão garantir álcool em gel e outras medidas protetivas por conta da pandemia. Não vejo isso como viável”.
Segundo ela, o grau de convivência e interação dos alunos também é algo que os professores não têm como controlar. “A escola é esse ambiente de socialização, e a interação entre os alunos é muito intensa, seja na educação infantil, até por dificuldade de entendimento da necessidade de entendimento, ou na adolescência, em que eles interagem o tempo inteiro”, observa.
A professora reconhece que o ensino a distância, da forma como vem sendo praticado em grande parte das escolas brasileiras, não é capaz de suprir as necessidades dos alunos, tanto do ponto de vista da formação do conhecimento, já que aspectos como vivências, troca de experiências e interação não são possibilitados pela educação a distância, como de avaliação das necessidades dos alunos.
Por Gazeta do Povo