Quero poder mandar meus filhos à escola
O retorno, mesmo faseado e sujeito a fechamentos temporários, servirá para aprendermos a lidar com a nova realidade
Gustavo Ioschpe é empresário e economista, é mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA)
Gestores públicos têm cometido três erros na discussão sobre aulas presenciais no contexto da pandemia. Os primeiros são não comparar o risco de contaminação por Covid-19 nas escolas com aquele dos demais lugares que a criança frequenta e considerar prejuízo apenas a doença, e não os custos ao desenvolvimento das crianças sem aula.
O terceiro é acreditar que um decreto autorizando o retorno às aulas significará a obrigação do retorno de todos, quando na verdade o que ele estabeleceria é um retorno opcional, faseado e preservando a saúde dos mais vulneráveis.
Estudo recente feito no Reino Unido e divulgado pela agência governamental de saúde pública mostrou que o ambiente escolar era mais seguro do que a residência dos alunos em termos de contágio (este e todos os estudos mencionados nesse artigo estão disponíveis em twitter.com/gioschpe).
Não haverá estudo semelhante no Brasil até que tenhamos mais escolas abertas, mas imagino que o achado seja ainda mais verdadeiro aqui, onde tantas pessoas vivem em situação de vulnerabilidade sanitária.
O Brasil já conta 200 dias de escolas fechadas, enquanto em muitos outros países esse número ficou entre um e dois meses. Os países que reabriram suas escolas não tiveram repiques de infecção causados pela escola. Por isso a Agência Europeia de Saúde (ECDC) publicou relatório em agosto relatando que a transmissão de Covid entre crianças na escola é incomum e mostrando que o fechamento de escolas é uma medida ineficaz no controle do vírus.
Finalmente, no início de setembro, OMS, Unicef e Unesco declararam explicitamente que “governos nacionais e locais devem priorizar a continuidade da educação”.
Estudo recente da OCDE e Harvard mostrou que só 4% dos gestores e professores acham que o aprendizado online equivale ao presencial. No Brasil, pesa ainda a questão do acesso: em quantas casas haverá aparelhos e conexão suficiente para que todas as crianças assistam todas as aulas?
“Continuar a educação”, portanto, significa reabrir escolas.
Se o risco sanitário é relativamente baixo, o dano ao desenvolvimento das crianças é certo.
Calcula-se que um ano perdido de escola diminui a renda, ao longo da vida, entre 7% e 10%. Há aumento de problemas psíquicos de crianças confinadas; pesquisa recente mostrou que 74% dos jovens brasileiros se sentem tristes, ansiosos ou irritados.
No estado de São Paulo, o estupro de vulneráveis aumentou 11% neste ano no último mês disponível, e é provável que o número real seja maior, pois as escolas são polo importante na detecção e denúncia desse tipo de crime.
O fechamento de escolas não nos blinda da Covid, gera forte perda educacional, riscos à saúde física e mental e aumento de desigualdades.
Mas isso não quer dizer que o Estado pode compelir todos a voltarem às escolas. Há alunos, famílias e professores para os quais o retorno será arriscado demais. Precisamos de um retorno que permita aos mais suscetíveis permanecer em casa.
O que não podemos tolerar é a proibição do retorno, pois, para a grande maioria dos alunos e suas famílias, a volta à escola é não só legítima como desejável.
O retorno, mesmo faseado e sujeito a fechamentos temporários diante de focos de doença, servirá para que aprendamos a lidar com essa nova realidade. Escolas mais seguras compartilharão práticas com suas colegas. Gradualmente receberemos mais e mais alunos e professores.
Há riscos? Sim. Mas, na minha opinião, eles são menores do que os potenciais benefícios da reabertura. Cabe a cada família tomar essa decisão. Eu tenho três filhos em idade escolar e enviarei os três de volta à escola no primeiro dia possível.
Suspeito de líderes políticos que passam anos sem prover saneamento básico para os mais pobres e os deixam morrer na fila de espera de atendimento hospitalar, mas subitamente se tornam defensores intransigentes da saúde alheia na época de campanha.
Seria uma tardia epifania? Não. Se fosse, varejo e restaurantes ainda estariam fechados. O que está acontecendo agora é apenas o capítulo mais recente de um desprezo secular pela educação. Sempre que os interesses dos alunos conflitam com a agenda dos profissionais do ensino, a sociedade civil dá de ombros e os políticos usam esse silêncio para ceder às corporações. Antes ofereciam ensino de péssima qualidade, agora não querem nem abrir a escola. Até quando ficaremos calados?
Por Folha de S. Paulo