A qualidade da formação de professores no Brasil, segundo o Enade
Faz algum tempo que tenho me debruçado na questão da formação de professores do ensino básico no Brasil. Aos desavisados, todos os professores de ensino básico precisam ter (ou deveriam ter) curso superior para entrarem em sala de aula. Existem três trilhas possíveis de cursos/carreiras nesse sentido.
• A 1.ª trilha é o curso de graduação de Licenciatura em Pedagogia, para os que pretendem ser professores da educação Infantil e do 1.º ao 4.º ano do ensino fundamental (antiga CA à 4.ª série para os mais maduros).
• A 2.ª trilha são os cursos de Licenciatura em Letras, Matemática, Química, Física, Artes etc. para aqueles que pretendem ser professores dessas disciplinas do 5.º ao 9.º ano do ensino fundamental (antiga 5.ª à 8.ª série) e, também do 1.º ao 3.º ano do ensino médio (antigo 2.º grau ou colegial).
• A 3.ª e última trilha ou possiblidade é a de profissionais graduados em outras carreiras fora da área de educação, realizarem o curso de graduação chamado de Formação Pedagógica para graduados que tem, em média, de um a dois anos de duração. Com estes cursos um Engenheiro, por exemplo, pode fazer a complementação pedagógica e dar aulas de física, química ou matemática do 5.º ano do fundamental ao 3.º do ensino médio. A ideia desta 3.ª trilha é permitir que profissionais já formados em outras áreas fora da educação possam dar aulas nas suas áreas de expertise, aprendendo apenas a parte pedagógica que não viram nos cursos em que se formaram.
Falando agora da prova que o MEC (Ministério da Educação) obriga todos os alunos habilitados em fase de conclusão do curso de ensino superior a realizarem, o famoso Enade (Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes). O exame acontece a cada três anos para um mesmo grupo de cursos definido pelo MEC.
Idealmente o Enade deveria ser anual, aplicado em todos os cursos, mas por questões logísticas e de custo acaba sendo de forma trienal. Assim, os alunos de cursos da área de educação fazem a prova a cada três anos. Os últimos resultados decorrem das provas realizadas em 2008, 2011, 2014 e 2017.
O grupo da educação estava programado para fazer o Enade em 2020, mas a pandemia mexeu com os planos. A proposta do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pela elaboração e realização do Enade, é que a avaliação aconteça em novembro deste ano.
Analisando os resultados dos quatro últimos ciclos avaliativos, tivemos no total 13.429 cursos de Licenciaturas e 4.215 cursos de Pedagogia com 449.947 e 352.407 alunos, respectivamente, fazendo as provas. Analisando os dados temos resultados chocantes na perspectiva da formação de profissionais que irão educar nossas crianças e adolescentes pelos próximos 30 a 40 anos.
As notas do MEC foram ajustadas numa forma simplificada para ficar mais clara a compreensão. As explicações desses ajustes seguem logo ao fim do texto dos resultados para quem tiver interesse.
Resultados das notas dos nossos futuros professores
Notas dos alunos dos cursos de Licenciaturas
Podemos observar que dos mais de 100 mil formandos que realizaram as provas, mais da metade deles – ou até 61%, em 2017 – tiveram notas ruim ou péssimo. (Cabe lembrar que a prova do Enade não reprova os estudantes, mas é usada pelo MEC como instrumento de avaliação dos cursos; o aluno não tem penalidade se seu desempenho for ruim). Mesmo com notas ruins, os alunos se formam normalmente e podem lecionar.
Notas dos alunos dos cursos de Pedagogia
Nos cursos de Pedagogia, o resultado é um pouco pior. Desde a prova de 2011 mais de 70% dos alunos – ou seja, dos futuros professores – tiveram nota ruim ou péssimo nas provas que fizeram. O agravante neste caso é que estamos falando dos professores da 1.ª infância, que é justamente a base sedimentar mais importante para a formação do conhecimento em um ser humano. Se esta base fica deficiente, todo o alicerce construído depois repete o problema.
Em outras palavras: os resultados mostram que os futuros professores conhecem muito pouco sobre o que vão ensinar a seus futuros alunos.
Fossem eles profissionais do mercado privado, essa questão da baixa produtividade se refletiria em desemprego. Mas como a grande maioria trabalha ou vai trabalhar em escolas públicas, e tem direito à estabilidade no emprego, esse problema se perpetua na forma de uma qualidade muito baixa na educação dos nossos jovens, consequência que aparece em todos os rankings internacionais dos quais o Brasil participa.
Outro ponto importante é a questão da técnica de ensinar que os currículos nacionais, muitas vezes, não privilegiam por serem muito focados nas discussões teóricas e filosóficas da educação. Mesmo os poucos que conhecem o que vão ensinar, não aprendem as melhores técnicas para isto.
Deveríamos estar mais preocupados em ensinar os alunos a ler, interpretar e produzir textos, além de realizar as quatro operações matemáticas básicas – deficiências que, aliás, não raro são encontradas no alunado que chega à educação superior no Brasil. Nos cursos de Engenharia, por exemplo, os calouros têm dificuldade em fazer regra de 3 ou cálculos de porcentagens.
Deixo aqui algumas perguntas importantes para refletirmos sobre esta hecatombe.
• Quais seriam as soluções adequadas para resolvermos a formação de novos professores com domínio do assunto que vão ensinar e, da forma (técnica) que vão ensinar para fazerem os alunos estudarem e aprenderem melhor?
• O que fazer com os mais de dois milhões de professores que temos hoje formados e ativos no setor para diminuir estas lacunas abrasivas?
Um país que reporta este cenário (e que ainda não tem 100% de sua população com direito a água potável e, metade dela sem direito a saneamento básico, que são outros fatores prejudiciais ao desenvolvimento cognitivo das nossas crianças) não deveria se dar ao luxo de focar em nenhum outro problema antes de melhorar a qualidade da formação de seus professores.
Por: Desafio da Educação