‘Perdemos 10 anos com escolas fechadas na pandemia’, diz Viviane Senna
Impacto da covid para os jovens brasileiros foi pior que o esperado e, segundo a presidente do Instituto Ayrton Senna, é preciso fomentar uma nova competência nos alunos para que enfrentem esses novos desafios: a motivação
“Quanto mais pobre a criança ou adolescente for, mais ele vai precisar de uma motivação intrínseca”, disse em entrevista exclusiva ao Correio a presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna. Há quase 30 anos trabalhando pela melhoria da educação no Brasil, a psicóloga fez essa constatação — tão dura quanto verdadeira — em uma conversa depois do seminário Motivação: Evidências para promover a aprendizagem.
O evento, realizado pela organização nesta terça-feira (15/6), convidou pesquisadores, ativistas e pessoas com histórico de superação de dificuldades para entender de que forma o esforço pessoal contribui para o aprendizado e como escolas, professores e família podem fomentar esse desejo nos jovens. “A gente já previa que ia ter um retrocesso, mas não tínhamos ideia da magnitude que seria. O aluno não só deixou de ganhar, ele perdeu o que já sabia. Esses alunos vão precisar muito de motivação e muita garra para recuperar esses anos perdidos. Perdemos dez anos”, contextualiza.
Segundo ela, esse contexto evidenciou a necessidade de se abordar a motivação pessoal dos alunos como um elemento fundamental para o desenvolvimento da educação. “Fomos os primeiros a falar sobre a incorporação das competências socioemocionais na educação. Conseguimos, temos previsto em lei, na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Mas há algum tempo percebemos que não era suficiente”, explica.
Educar para o futuro
Além das competências socioemocionais, recém-incorporadas às políticas públicas de ensino no Brasil, e das habilidades cognitivas tradicionalmente estimuladas pelas escolas, é preciso que comecemos a nos preocupar com o propósito individual das crianças e jovens. “A gente precisa parar de olhar a educação pelo retrovisor, a gente precisa olhar para frente. O que essas crianças vão precisar daqui a 20 anos, para enfrentar o mundo daqui a 20 anos”, indaga.
Senna cita que os avanços conseguidos pela humanidade são catalisados por três grandes fatores: guerras, epidemias e inovação tecnológica. Daí o superimpacto da pandemia de covid-19 para as próximas gerações. “A pandemia acelerou muitas tendências que já existiam e, ao mesmo tempo, criou uma série de barreiras. A gente já imaginava que haveria um retrocesso no ensino, mas os primeiros estudos apontam que os alunos não apenas deixaram de aprender, como esqueceram o que sabiam”, exemplifica.
Assim, em um cenário de instabilidade, crianças e adolescentes precisarão de um componente que vá além do fator ambiental para continuar aprendendo, é o que Viviane chama de motivação intrínseca. “Competências cognitivas não serão suficientes mesmo, já não são agora. Mas as habilidades socioemocionais também não. Essas gerações vão precisar de muita musculatura emocional para lidar com mudanças cada vez maiores, contextos cada vez mais adversos. E isso tem a ver com propósito, é uma bússola interna de cada um”, defende.
Ciência, políticas públicas e incentivo
E como conseguir motivar uma geração que cresce em um cenário tão adverso? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. “Antes da pandemia nós já vínhamos notando essa necessidade, que se intensificou depois desse um ano e meio sem aulas presenciais. É por isso que fomos buscar na ciência e nos exemplos de sucesso respostas para essas perguntas. Porque se sentir motivado em um ambiente favorável é mais fácil, essa é a motivação extrínseca. Mas em um cenário como o atual, em que tudo é imprevisível, mutante, todo o seu esforço pode virar água de batata. E se a gente não estiver lastreado em uma motivação intrínseca muito forte, vamos ter problemas”, detalha.
A psicóloga defendeu que essa terceira fronteira pode ser observada em casos reais “de pessoas que viveram em cenários completamente adversos”, mas que conseguiram atuar com resiliência e concentrar os próprios esforços para alcançar um objetivo que as inquietava. Um dos exemplos apresentados no seminário foi o de Laura dos Santos Dias, de 17 anos.
Aluna da rede estadual de ensino de São Paulo, ela descobriu um asteroide e ganhou reconhecimento da Agência Espacial dos Estados Unidos (Nasa, na sigla original). “A Laura fala que era apaixonada por astronomia desde pequena, era o sonho dela. Isso é como a ignição de um motor. Ninguém vai a lugar nenhum se não estiver motivado. É o que a ciência está descobrindo e o que a experiência humana mostra”, aponta.
Trilhas possíveis
Nesse sentido, os pesquisadores ouvidos durante o evento apontaram caminhos nos quais escolas e famílias podem seguir para apoiar os sonhos dos jovens. O desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais, já previsto na legislação brasileira, é fundamental, mas também é preciso flexibilizar currículos para que isso seja feito de maneira intencional no ambiente escolar.
A formação dos professores, outro ponto recorrente nos debates sobre a educação no Brasil, é algo que também precisa ser repensado para que esteja alinhada com as necessidades das crianças. Ficou interessado no conteúdo? Todas as palestras do seminário e os materiais complementares estão disponíveis na página do Instituto.
Por: Correio Braziliense