Empresas de tecnologia podem revolucionar a educação
Caminho tecnológico pode levar ao cumprimento do quarto objetivo de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas para 2030 de assegurar educação inclusiva, equitativa e de qualidade
Uma revolução na área de educação causada pela adoção de uma tecnologia não deveria ser uma surpresa, haja vista o impacto que uma tecnologia bem conhecida, o livro, trouxe ao ensino, principalmente após sua massificação com a invenção da prensa móvel por Gutenberg. Apesar de se tratar de uma tecnologia com uma curva de aprendizado bastante longa, visto o tempo e esforço necessários para se aprender a ler e compreender textos, os livros, nas palavras de Carl Sagan, “são talvez a maior invenção de todos os tempos, unindo pessoas que nunca se conheceram, cidadãos de épocas distantes. Os livros quebram as algemas do tempo”.
O setor de educação enfrenta alguns desafios. Se até 1900, o conhecimento humano dobrava a cada século, hoje ele dobra em alguns dias, segundo estimativas. Na área médica, por exemplo, o conhecimento atualmente dobra a cada 73 dias. Essa velocidade afeta os requisitos de conhecimento dos profissionais e a natureza de suas atividades, tornando várias funções obsoletas enquanto gera demanda por outras antes inexistentes. Sem atualização profissional constante, tal situação provoca um desequilíbrio entre o que é demandado e o que é ofertado, resultando em vagas de emprego que não conseguem ser preenchidas e, ao mesmo tempo, um número considerável de desempregados.
Nesse cenário, o desafio fica visível ao considerarmos o tempo necessário para a realização de atualizações curriculares nos cursos de ensino superior e a frequência com a qual elas são realizadas. Assim, quando um profissional se gradua, ele realmente está atualizado? Aliás, talvez em algum momento no futuro, os marcos educacionais considerados, como a conclusão do ensino superior, venham a perder o sentido num mundo em que os indivíduos necessitarão atualizar-se diariamente durante toda a vida profissional.
Outro desafio é a democratização de um ensino de qualidade, em que todos possam ter suas necessidades pessoais atendidas por meio de modelo personalizado que possa ser praticado em escala. Infelizmente, qualidade no ensino ainda está associada com custo elevado e menor escala, restringindo o acesso a poucos e, consequentemente, agravando as desigualdades sociais.
Nesse contexto, empresas já estabelecidas e startups do setor de tecnologia estão ganhando espaço no setor de educação. No dia 18 de maio deste ano, Sundar Pichai, CEO do Google, sugeriu, na conferência anual do Google, que a empresa é hoje a organização mais poderosa do mundo em educação. Tendo conquistado território durante a pandemia, o Google está trazendo a Inteligência Artificial para as salas de aula. Esse é apenas um exemplo de uma empresa de tecnologia executando planos para a educação. Sem dúvida o tema traz preocupações e requer cuidados que devem ser debatidos pelos educadores e pela sociedade.
De fato, utilizando o paradigma de organizações exponenciais, é possível utilizar tecnologias digitais para oferecer um acompanhamento individualizado aos alunos. Mediante o uso de Tutor baseado em Inteligência Artificial, por exemplo, é possível obter um modelo de como cada aluno aprende e utilizá-lo para personalizar a abordagem de ensino de acordo com cada indivíduo. Tal solução funciona como um professor particular digital que pode acompanhar o usuário durante toda a sua vida profissional, já que, quanto maior o tempo de interação, maior o conhecimento do tutor sobre a melhor forma de conduzir o estudante para o seu objetivo de aprendizagem. Inclusive, a atuação desse tutor digital não precisa limitar-se ao contexto educacional, podendo acompanhar o usuário durante a sua vida profissional para coletar informações visando obter insights personalizados sobre necessidades de atualização profissional que serão utilizados para planejar trilhas de aprendizagem. E, por se tratar de uma tecnologia digital, trata-se de algo escalável e com custo marginal baixo, podendo, portanto, democratizar o acesso à educação personalizada dentro de um paradigma de desmonetização (mais pessoas acessam, todos pagam menos).
Vale ressaltar que o uso de tais tecnologias poderá provocar uma disrupção do modelo de negócios do ensino superior. Cursos de graduação on-line poderão ser oferecidos por valores baixíssimos, ou até gratuitamente, para coletar dados de interação com o estudante que permitirá a construção de um modelo de aprendizado personalizado. Isso criará uma fidelização natural, pois a plataforma poderá acompanhar o aluno durante a sua vida profissional para mantê-lo atualizado, momento este mais oportuno para a monetização. Imagine uma graduação personalizada e gratuita para todos! Qual seria o resultado para a sociedade no longo prazo? Talvez esse seja o caminho para o cumprimento do quarto objetivo de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas para 2030 – “Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.
Por: Estadão