Crianças voltam às aulas mais quietas depois do período de isolamento
Para especialistas, dificuldade na comunicação oral não deve ser vista como retrocesso
No retorno às atividades presenciais da educação infantil, os professores encontraram crianças menos falantes, com mais autonomia e igualmente curiosas.
Para a psicóloga infantil Sabrina Pani, as mudanças são esperadas, refletem o período de isolamento e não devem ser vistas como retrocesso. “É preciso respeitar o tempo da criança e lembrar que cada família foi afetada de formas diferentes pela pandemia.”
Desde 2 de agosto, as pré-escolas da cidade de São Paulo estão autorizadas a receber 100% dos alunos em esquema de revezamento. Nas creches, as crianças puderam retornar a partir de 8 de setembro.
Na Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) Coronel Alexandre Gama, no Jardim Damasceno, zona sul da capital paulista, a coordenadora pedagógica Eliane Moreira se surpreendeu ao ver a autonomia dos alunos na hora de brincar e interagir.
“Em uma das turmas, elas começaram a fazer pontes com os brinquedos para se conectar ao coleguinha da outra mesa”, conta.
Eliane lembra que, apesar do ambiente de apreensão da pandemia, faz parte da natureza infantil buscar formas de socializar e se relacionar.
Especialista em atender escolas, Sabrina Pani explica que atividades lúdicas, como o faz de conta, ajudam a criança a se expressar e entender o mundo. Mas brincar cada um no seu canto pode trazer perdas para o desenvolvimento.
O melhor jeito de minimizar a falta de contato é falando: “Dizer, por exemplo, ‘queria poder abraçar, mas que bom que a gente está aqui, antes era só pela tela'”, diz a psicóloga.
Para Ana Paula Yazbek, diretora pedagógica do Espaço Ekoa, escola localizada no bairro do Butantã, zona oeste da capital, a escuta é essencial no retorno e, com crianças menores, é preciso também estar atento a sinais não orais.
“Eles falam com o corpo, com o olhar, com o silêncio. São formas sutis, mas que aprendemos a ler no dia a dia.”
Ela, que percebeu as crianças mais quietas na volta às aulas, afirma que o silêncio não deve ser visto como atraso, mas como uma característica que reflete o período de isolamento social, em que as interações foram limitadas.
No auge da quarentena, Heloísa Trigo, 41, recorreu às telas para conciliar os cuidados com o filho Benicio, 2, a casa e o trabalho remoto. Educadora no Espaço Ekoa, ela conta que ficou preocupada com a saúde do menino, que estava mais quieto e havia parado de comer alimentos sólidos. “Um mês depois da volta às aulas, ele já estava almoçando na escola. Foi um alívio.”
No Jardim Paulista, zona oeste de São Paulo, o colégio Dante Alighieri convidou os pequenos a dar cor e forma aos sentimentos.
A diretora de educação infantil e ensino fundamental 1 do colégio, Angela de Cillo Martins, explica que a iniciativa buscou aproximar os estudantes do espaço escolar, já que no retorno às aulas presenciais eles encontraram um ambiente diferente, equipado para cumprir protocolos sanitários.
A gestora vê o retorno como positivo e diz que se surpreendeu ao observar a alegria das crianças em ir à escola.
Foi assim na casa da menina Julia, 4. Sua mãe, a empresária Carolina Gotelho, 41, conta que a filha está feliz em voltar para a sala de aula. “Por não ter irmãos, a Julia estava sentindo falta de alguém para brincar e conversar. Ela tem isso no colégio”, diz.
Com a necessidade de aulas remotas, as famílias passaram a compreender ainda mais a importância do espaço educativo, explica Mônica Appezzato Pinazza, coordenadora do grupo de pesquisa Contextos Integrados de Educação Infantil da USP (Universidade de São Paulo).
A percepção é compartilhada pelas gestoras da Emei Feitiço da Vila, localizada na Chácara Santa Maria, zona sul da cidade. Em conversa por vídeo, Juciele Nobre (diretora), Eliane Jorge (vice-diretora) e Carolina de Paula Duarte (coordenadora pedagógica) concordam ao dizer que o bem-estar dos alunos passa por um atendimento personalizado às famílias.
“É preciso entender as individualidades das crianças com deficiência, em vulnerabilidade social ou que têm alguma doença crônica”, afirma a diretora. Para ela, com a pandemia, essa demanda exige atenção extra e pode sobrecarregar o professor, principalmente na rede pública.
Especialista em educação, Pinazza, da USP, afirma que ainda não há pesquisas que possam responder, diretamente, quais impactos serão sofridos pelas crianças. “É preciso monitorar a educação, não só a infantil, criar os dados e refletir sobre eles.”
Por: Folha de S.Paulo