O que é a Aprendizagem Baseada em Projetos e como ela pode ser usada na recomposição de aprendizagens

Publicado por Sinepe/PR em

Ao buscar soluções para problemas reais, relacionar conhecimentos de diferentes áreas e trabalhar com competências socioemocionais, essa metodologia pode ser uma aliada dos educadores

A necessidade de fortalecer a autonomia e o protagonismo dos estudantes e de formar cidadãos críticos e participativos tem sido uma demanda da educação atualmente. Na prática, tais aspectos, endossados também pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), podem ser trabalhados em sala de aula por meio da Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP). Trata-se de uma metodologia ativa que coloca os alunos no centro do processo de ensino e aprendizagem e da busca de soluções para problemas reais, preferencialmente, relacionados à sua realidade.

A ideia central da ABP é envolver os estudantes em um projeto, que pode durar semanas ou meses, que parta de um problema ou necessidade concreta para que eles construam soluções de maneira criativa e colaborativa, resultando em produto final. Como um dos objetivos é que eles possam agir de fato e não ficar apenas nas discussões teóricas, o ideal é que seja algo o mais próximo possível da realidade dos alunos. Ou seja, alguma questão da comunidade escolar, do bairro ou da cidade.

“A Aprendizagem Baseada em Projetos pode ser pensada como uma estratégia pedagógica abrangente, um guarda-chuva que engloba várias outras metodologias ativas que o professor vai usar de acordo com o objetivo de cada etapa do projeto. Ao longo da proposta, ele pode utilizar a rotação por estações, a sala de aula invertida, a gamificação e incentivar as discussões entre a turma”, diz Aline Geraldi, formadora de professores e consultora de NOVA ESCOLA.

Para começar a trabalhar com a metodologia
Ainda que muitos professores já trabalhem com projetos, para que essa metodologia seja de fato ativa é preciso considerar de onde parte a investigação, ou seja, qual é a situação-problema, quem deseja encontrar soluções para ela e de que modo. Para José Moran, doutor em Comunicação e autor de livros sobre metodologias ativas, modelos híbridos e tecnologias digitais, o professor tem que sair do modelo de projeto que ele está acostumado e experimentar novas possibilidades. “É claro que o docente deve planejar, mas precisa ser flexível, conversar e negociar com os alunos. O projeto não é uma tarefa dada pelo professor para uma nota final, mas algo do estudante. Sempre que eu perguntava as ideias dos alunos acabava mudando as minhas.”

Se o projeto é sobre algo que está acontecendo no próprio entorno do aluno, a expectativa é que seja significativo e gere vontade de participação. Entretanto, é preciso cuidado para escolher o tema, de modo que ele realmente resulte em discussões instigantes e na busca por soluções. “Para iniciar um projeto, primeiro os estudantes precisam trocar ideias. O processo de discussão e comparação de propostas leva tempo, e é muito importante que seja longo para amadurecer. Planejar bem faz com que o projeto se valorize. Não precisa partir da primeira ideia e já entregar um resultado logo”, comenta.

Uma das potencialidades da utilização da ABP, principalmente quando relaciona diferentes componentes curriculares e áreas do conhecimento, é levar os alunos a compreender que o conhecimento não é fragmentado e o que aprendem na escola pode ter uma aplicação concreta na sociedade. “Projetos interdisciplinares podem abrir a mentalidade dos estudantes para valorizar as diferentes áreas do conhecimento e, consequentemente, os professores valorizam as diferentes aptidões e habilidades dos alunos”, ressalta Aline.

Para que isso aconteça é necessário que a gestão escolar apoie as iniciativas e ofereça formações e tempo para que os professores construam os projetos em parceria. Segundo José Moran, há três formas de organizar projetos dentro da escola. A primeira é por iniciativa de cada professor para deixar suas aulas mais ativas dentro de seu componente curricular. A segunda é integrar várias áreas do conhecimento e trabalhar colaborativamente com outros professores. Quando a escola já tem experiência nas duas etapas anteriores, é possível organizar projetos que incluem toda a escola, com os alunos divididos em grupos para trabalhar em um grande coletivo.

ABP no contexto da recomposição de aprendizagens
Em 2022, um dos principais desafios dos professores tem sido planejar e desenvolver ações para a recomposição de aprendizagens e organização do continuum curricular – a possibilidade de as escolas oferecerem em um único ano as habilidades previstas para serem desenvolvidas em dois anos. Muitos educadores estão buscando estratégias para superar dificuldades que são novas ou que se intensificaram durante a pandemia. Nesse sentido, a Aprendizagem Baseada em Projetos pode contribuir e muito.

Na volta ao presencial, os professores perceberam a necessidade de reforçar o trabalho com as competências socioemocionais, uma vez que o período pandêmico fragilizou a saúde mental e emocional de muitas crianças, adolescentes e adultos. Esse trabalho também pode ser relacionado à recomposição de aprendizagens.

“Quando você envolve os alunos em um projeto, também trabalha as habilidades socioemocionais. Eles ficaram muito tempo sem interagir com os colegas, e na ABP é essencial a cooperação entre pares”, explica Aline. Ela recomenda que os professores organizem grupos heterogêneos para que os estudantes colaborem uns com os outros e aprendam juntos. As habilidades de aprendizagem prioritárias podem ser incluídas ao longo das etapas do projeto.

Os professores também precisam estar atentos para não desprezar a prática com a tecnologia adquirida durante o ensino remoto. Como a ABP compreende várias metodologias ativas, as tecnologias digitais podem ser associadas ao trabalho analógico. Em casa ou na escola, os estudantes podem realizar pesquisas, compartilhar materiais digitais, conversar com pessoas de outros lugares (como especialistas no tema do projeto), registrar as discussões do grupo num mural digital e propor produtos também digitais.
Como o intuito é que os alunos estejam incluídos em todas as etapas do projeto, eles devem ser convidados a participar da avaliação, que também deve ser construída de modo coletivo. “Geralmente, o professor gosta que o estudante escreva, e isso é importante, mas podem ser usadas outras formas de expressão, como apresentação oral e registros em vídeo. No caso de projetos que envolvem várias turmas, uma pode avaliar a outra”, aponta Moran.

Considerando o atual momento, os professores podem incentivar a elaboração de projetos e a busca por soluções de problemas relacionados à pandemia. “Alguns países têm uma visão mais institucional da aprendizagem em serviço, que é aprender para contribuir com a comunidade. Isso no Brasil acontece muito na área da saúde, mas não em outras áreas. A escola pode começar a mudar essa realidade”, destaca o especialista.

Na prática: um projeto sobre o bairro da escola
Kalina Elis Leitão, professora de Ciências Humanas e Matemática do 5.º ano na Escola Estadual Brasílio Machado, na capital paulista, conta que no início do ano a equipe fez um planejamento anual, recebeu formações acerca das habilidades a serem trabalhadas com os alunos no 1.º bimestre e pensou em estratégias e metodologias ativas para utilizar nas aulas, como a ABP. Segundo ela, os projetos são planejados com propósitos relevantes para a vida em comunidade e junto com as necessidades de aprendizagem, sendo parte integrante do currículo.

A escolha dos projetos segue critérios como relevância social e ambiental, possibilidade de implementação e comum acordo entre alunos e professores. Considerando isso, a turma decidiu investigar aspectos do bairro onde se localiza a escola. “Estamos envolvidos com as questões sociais e ambientais da Vila Madalena. Percebemos que sofremos constantemente com alagamentos, e isso nos instiga a procurar soluções”, relata a professora.

Denominado “Vila Madalena: eu atuando nesse espaço”, o projeto atravessou o 1º e o 2º bimestres de 2022 e incluiu diversas etapas. Primeiro, a professora Kalina e outros professores de Artes e Ciências da Natureza se reuniram para estudar quais habilidades iriam trabalhar, promovendo a união de Artes, História, Geografia e Ciências. Depois, os alunos foram orientados a pesquisar e escolher temas sociais sobre o bairro. As temáticas selecionadas coletivamente foram arte, história, ecoponto, urbanização e rios encanados.

“Arte porque o Beco do Batman [viela conhecida por seus grafites coloridos] tem um mural que evoca muitas interpretações do bairro e da vida social. História porque precisamos descobrir a origem desse bairro para compreender como ele se constitui hoje. Ecoponto pois sabemos que há um ponto de descarte de materiais recicláveis próximo à escola e queremos reciclar nosso lixo e destiná-lo a esse local. Urbanização pois o bairro tem casas antigas, prédios modernistas, vielas, ruas de paralelepípedos e muitos bares que investem na variedade étnico-cultural. E rios devido à existência de três rios encanados que passam por baixo da Vila Madalena. Por estarem abaixo do asfalto, eles emergem com chuvas torrenciais”, explica Kalina, que dirigiu o projeto.

Ao longo das semanas de realização das propostas, algumas metodologias ativas foram utilizadas. Na sala de aula invertida, os alunos realizaram pesquisas online. Já na rotação por estações se dividiram para compartilhar suas pesquisas, estudar aspectos do bairro, levantar hipóteses para a investigação e procurar mais materiais, como documentários, vídeos e músicas. Com base nessa pesquisa, foi elaborado um roteiro com perguntas para as quais devem buscar respostas na saída pelas ruas do bairro.

Objetivos, acompanhamento e avaliação
As outras etapas do projeto ainda não foram colocadas em prática, mas o planejamento inclui uma ida a pé ao Beco do Batman para a realização de entrevistas e registros. Depois, a ideia é convidar artistas grafiteiros para irem até a escola e levar os estudantes para contribuírem com pinturas nos muros do Beco. Outro objetivo do projeto é construir uma relação com as cooperativas de reciclagem do bairro e destinar parte do lixo da escola para o ecoponto. Também pretende-se reivindicar que as autoridades públicas realizem a limpeza dos bueiros e das áreas próximas do rio para evitar alagamentos.

Em relação à avaliação, a professora Kalina verifica se o projeto está seguindo o planejamento e se os alunos não estão se perdendo. “São muitas etapas, e eles precisam de um acompanhamento constante”, afirma. Ela considera a avaliação o maior desafio da ABP, já que ela deve ser compartilhada por todos os professores e incluir todas as etapas. No projeto sobre a Vila Madalena, a avaliação aconteceu por meio de rubricas. “Elaborei uma ficha com as etapas do projeto e as ações que os grupos devem desenvolver. Eles vão assinalando na rubrica o que já realizaram, o que está em andamento e o que falta.”

Kalina trabalha com projetos há dez anos e, no contexto de recomposição de aprendizagens, ela acredita que eles são essenciais. “Não tenho dúvida que uma aprendizagem baseada em projetos torna as aprendizagens mais produtivas, pois se baseiam em propósitos reais. O estudante engajado constrói seu próprio conhecimento porque o projeto faz sentido para ele”, conclui.

Por: Nova Escola