Estratégias para promover a iniciação científica dos alunos
Uso de metodologias ativas, conexão com o entorno, trabalho colaborativo e organização de uma feira de ciências estão entre as sugestões
A experimentação é a base do desenvolvimento humano desde os primórdios. Toda grande descoberta científica da história nasceu da curiosidade e da capacidade crítica e analítica do ser humano, cuja visão científica, social e política deve trabalhar em prol da melhoria da qualidade de vida e do ambiente.
Uma Educação de qualidade deve ser aquela que estimula o desenvolvimento acadêmico e prepara os estudantes para serem cidadãos participativos e críticos. Assim, chegamos à pergunta central deste texto: como podemos promover a iniciação científica na escola?
Despertar o interesse dos alunos para os engajar
Nas aulas de Ciências, a curiosidade dos alunos pelo mundo animal ou com as experiências químicas são sempre grandes aliados para os engajar nas aulas.
Em minha experiência, percebi que o interesse é despertado pelo desejo de compreender a causa, a explicação por trás de um fenômeno observado. É gratificante ver a cabeça dos meus alunos repletos de questionamentos que resplandecem em seus rostos.
O ponto de partida para promover a iniciação científica está neste combo:
- Estimular a curiosidade dos alunos
- Discutir temas relevantes e do interesse dos alunos
- Relacionar o trabalho com a realidade da comunidade local e o currículo.
Diversas metodologias ativas como o design thinking, STEAM (sigla em inglês de Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) e Aprendizagem Baseada em Projetos são extremamente úteis na construção da visão analítica e crítica dos alunos. Essas estratégias contribuem para o desenvolvimento criativo; as etapas de prototipagem, ideação e organização; e resolução de problemas.
Três metodologias para promover a iniciação científica
Percebi que meus alunos não são atraídos por resolução de atividades longas e compostas de questões tradicionais. Mesmo com perguntas contextualizadas, os exercícios não alcançavam o resultado desejado.
Por isso, quando decidi incorporar o processo de iniciação científica às minhas aulas, busquei outras estratégias que auxiliassem alcançar os objetivos previstos. Em meio aos estudos, descobri três metodologias aplicadas nos mundos dos negócios que, quando aplicadas de forma conjunta, podem promover a alfabetização científica dos alunos:
- Brainstorming (também pode ser chamado de “tempestade de ideias”): consiste em um passo a passo de ideação, no qual as equipes (os alunos) levantam soluções criativas para problemas determinados;
- Masterclass: metodologia construída, para promover a imersão dos estudantes em uma temática específica, buscando estimular a capacidade de tomada de decisão.
- Hackathon: tem como objetivo principal a promoção do trabalho em grupos, para alinhar todas as diferentes ideias para resolver determinado desafio em um único plano de ação.
Protagonismo, criatividade e trabalho em equipe nas aulas de ecologia
Comecei introduzindo questões socioambientais que atualmente são extremamente discutidas como, por exemplo, a criação de planos de manejo efetivos que envolvam comunidade e instituições federais em prol da produção ambiental.
Após apresentar o conteúdo e explicar o passo a passo da atividade, os alunos foram divididos em três grupos e receberam uma ficha com dados que simulavam um caso ambiental envolvendo a exploração e conservação de espécies ameaçadas da caatinga, por comunidades tradicionais que dependiam da extração. A missão da turma era garantir a sobrevivência e preservação de ambas as partes.
Você pode adaptar o desafio para qualquer outro tema previsto no seu planejamento. O mais importante é que o problema englobe diversas esferas, como aspectos sociais, ecológicos, políticos e econômicos, para garantir que os alunos sejam estimulados a olhar para a questão sob várias perspectivas.
Eles tiveram 90 minutos – você pode adaptar o tempo a depender do tempo disponível com sua turma e seu planejamento – para analisar o problema e desenvolver um plano de ação adequado. Para tal, eles vivenciaram as três metodologias apresentadas anteriormente.
Começaram com a fase masterclass para conhecer e analisar a situação problema. Eles tinham acesso a materiais previamente separados de pesquisa para aprofundar seus conhecimentos a respeito do tema.
Em seguida, durante o brainstorming, os alunos discutiram as possíveis resoluções para o desafio apresentado. Neste momento, eles precisam alinhar as opiniões, selecionar as melhores ideias e descartar outras. Quando concluíram essa parte, eles consolidaram o passo a passo do plano em um mapa mental.
Posteriormente, cada grupo teve cinco minutos para apresentar as conclusões para os colegas. Durante a socialização, os outros grupos tinham a oportunidade de contestar as ideias e soluções levantadas. Gerou-se uma discussão embasada em diferentes visões e interpretações dos alunos acerca da mesma problemática.
O hackathon foi a última etapa. Aqui os alunos tinham a missão de unificar todos os planos. Essa é uma das fases que considero mais complexa do processo de construção, pois envolve todos os alunos da sala cooperando para uma resolução construída por todos.
Por fim, os alunos conseguiram montar um plano efetivo que manteve a sobrevivência e exploração sustentável das espécies por parte das populações tradicionais.
Dica extra para o momento da atividade
A sala fica bastante agitada com a efervescência de criatividade. No começo, eles podem ficar tensos em relação ao tempo. Eu costumo preparar playlists com músicas escolhidas por eles para que possam ouvir durante todo o processo. Além de ajudar na concentração, a música alivia o clima de tensão e ajuda a relaxar os alunos.
Planejamento para criar uma feira de ciências na escola
Organizar feiras de ciências desde 2019 também foi um passo importante para promover a iniciação científica nos Anos Finais. Esse tipo de trabalho possibilita que os alunos coloquem em prática habilidades e talentos diferentes – além de conectar toda escola. Também é uma ótima oportunidade para promover projetos interdisciplinares.
No início do ano, eu apresento aos alunos a temática geral da feira e quais as questões norteadoras dos trabalhos – geralmente, associada a questões das realidade da comunidade. Nesse momento, trago a identidade visual do evento e ideias para a construção do espaço. Essa é a forma que encontrei para engajar os alunos, alimentar o desejo de participar do processo.
Em seguida, os alunos dividem-se em equipes e têm liberdade para escolher o tipo de projeto que irão desenvolver. Eles têm cerca de oito meses para colocar em prática suas ideias. Durante esse período, convido profissionais de diversas áreas que possam contribuir com a formação dos alunos e suas pesquisas.
Nas três edições da feira, os alunos desenvolveram projetos ligados à sustentabilidade, etnoecologia, desenvolvimento de produtos e empresas sustentáveis, e divulgação científica pelas redes sociais.
Os resultados vão muito além das aprendizagens curriculares, os trabalhos impactaram a vida dos estudantes. No ano passado, durante os dias de montagem do espaço, diversos ex-alunos vieram auxiliar voluntariamente. Fiquei extremamente emocionado e perguntei o porquê de estarem ali. Um deles me respondeu: “essa feira foi uma das melhores experiências da minha vida. Ela me transformou, então, quero ajudar a transformar também a de outros.”
Foi uma injeção de motivação ver o significado daquela iniciativa. Desse sentimento, veio o trabalho que estou desenvolvendo este ano com meus alunos.
Programa de iniciação científica na escola
Assim nasceu o Ciência na Veia, o primeiro programa de iniciação científica da EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo e o primeiro do Estado da Paraíba para os Anos Finais do Ensino Fundamental. O grupo que conta com 17 participantes tem como missão “estimular através do letramento científico o desenvolvimento de mentes criativas e transformadoras.”
Contamos com o apoio do Instituto Alpargatas, por meio do laboratório de inovação e sustentabilidade educacional implantado na escola no final do ano de 2021.
O programa tem duas atividades principais: a feira de ciências e a mentoria voluntária de ex-alunos. Esses mentores – hoje temos 16 – recebem uma formação de liderança e metodologia científica para que estejam preparados para orientar os projetos dos estudantes do 9º ano. Após saírem da escola, eles têm a oportunidade de continuar a pesquisa.
As principais áreas de pesquisa são robótica, cultura e metaverso. Atualmente, tem equipes pesquisando sobre etnoecologia, caça, botânica, medicina tradicional de comunidades indígenas, agricultura e educação inclusiva (com foco no atendimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista).
Já vemos a transformação acontecendo. Estamos mais conectados com o nosso entorno e influenciando a comunidade local de forma efetiva. O estímulo ao desenvolvimento científico trouxe conquistas para o futuro dos alunos: hoje somos a escola da região com maior taxa de aprovação no Instituto Federal da Paraíba (IFPB).
Tudo isso por meio de com um ensino contextualizado e significativo que estimula o protagonismo e forma alunos comprometidos com seu dever social e científico.
Por: Nova Escola