Cursos modulares, muitos tutores e metodologias ativas marcam bons EAD
Respeitadas e reconhecidas em todo o mundo, a Open University e a Universidade Aberta da Catalunha são duas instituições de ensino que trabalham exclusivamente com a modalidade a distância
O campus da Open University em Milton Keynes, nos arredores de Londres, se parece com o de muitas universidades britânicas: tem salas pequenas e anfiteatro para grandes eventos, uma boa biblioteca, um refeitório com preços subsidiados. Mas a maior parte dos estudantes da instituição se forma sem precisar pôr os pés por lá. Ela é a maior universidade de EAD do Reino Unido e foi a primeira instituição do mundo na modalidade, fundada em 1969. Desde seu início, estudaram na Open 1.8 milhão de pessoas.
Mas não é só por oferecer ensino a distância que a instituição se diferencia. Ser uma universidade “aberta” significa oferecer mais flexibilidade para os estudantes. Os cursos são modulares; a disciplina de “psicologia esportiva”, por exemplo, pode ser feita como algo completamente independente por qualquer pessoa que tenha interesse pelo tema. Quem completar e for aprovado recebe um certificado. Porém, se o estudante desejar, pode usar os créditos para conseguir um diploma de graduação, seja em psicologia, seja em educação física. E não há prazos ou ordem certa para juntar a maior parte das pecinhas que formam uma graduação completa.
Embora seja uma instituição pública, os cursos são pagos – como é o de costume no Reino Unido. Há, contudo, algumas formações curtas gratuitas de preparação para a faculdade. Em geral são cursos autoinstrucionais, que o sistema sugere de acordo com o perfil de cada pessoa que pensa se matricular. Ensinam, por exemplo, técnicas de estudo, de organização de agenda, ou preparam para a leitura e escrita acadêmicas. É uma das estratégias para aumentar o sucesso de quem de fato efetivar a matrícula.
Como metodologia, os cursos são formatados ao redor de atividades. A cada pequeno vídeo ou depois de apenas alguns parágrafos de texto, há exercícios práticos. Mesmo que sejam simples e breves – podem levar apenas cinco minutos para serem feitos – são estratégias que mantêm o aluno ativo e o obrigam a prestar atenção à teoria apresentada. Depois de uma sequência de unidades, há sempre um resumo do que foi visto e um quizz. Esses pequenos testes não valem nota, mas se o aluno não for bem, recebe a indicação de rever certo conteúdo e tentar responder novamente.
O papel dos tutores de acompanhar o progresso dos estudantes também é tido como essencial. Atualmente são cerca de 5 mil – a Open conta em média com 33,5 trabalhadores (entre professores, tutores e pessoal de gestão) para cada aluno. Os tutores são os responsáveis por marcar as avaliações, dar os feedbacks, organizar conferências em grupos, fazer reuniões e dar suporte individual.
A instituição oferece atualmente 64 graduações em EAD – nem tudo é 100% online. Algumas provas precisam ser presenciais, mas não só elas. Um aluno que deseje se formar em letras e optou pelo francês precisa, obrigatoriamente, fazer uma viagem de estudos na França. Na área da saúde, a parte prática é sempre exigida, mas há alguns arranjos possíveis. Se o estudante de enfermagem é alguém que já trabalha no NHS (o SUS britânico) e quer mudar de posição, há um acordo para que o estágio e toda a parte prática sejam feitos no seu local de trabalho. Se esse não for o caso, a pessoa terá de fazer a prática num hospital conveniado.
Com perfil diferente, a instituição atrai um público também diferente: 70% dos estudantes da Open são trabalhadores. Esse é um ponto de contato da Open University com a Universidade Aberta da Catalunha (UOC, na sigla em catalão), que também oferece apenas EAD. Na instituição da Espanha, porém, os números são ainda maiores: 90% dos estudantes já trabalham. Na Europa a média de estudantes que também trabalham é de apenas 23%.
Déficit de 25 milhões de libras
A Open University fechou o ano de 2023 com um rombo nas contas no montante de 25 milhões de libras (cerca de R$ 150 milhões). “Nossos resultados financeiros refletem o impacto da redução do número de estudantes recrutados em outubro de 2022 e os esforços que temos feito para garantir nossa estabilidade financeira nos próximos anos”, disse um porta-voz da instituição. A universidade começou a construir um novo campus e, no futuro, poderá até oferecer graduações presenciais.
O problema de fechar no vermelho, contudo, não é exclusividade da Open. Outras três grandes universidades britânicas já reportaram terem fechado 2023 no vermelho. Em 2022, um terço das instituições tiveram prejuízo.
Metodologias ativas
Para conseguir conquistar a atenção de um setor já ocupado, a Universidade Aberta da Catalunha aposta em oferecer material variado, com textos, gráficos, áudios e vídeos, mas, sobretudo, em metodologias ativas. “O modelo educacional da UOC é baseado na atividade. O aluno deve estar sempre resolvendo os desafios, com a ajuda dos recursos de aprendizagem que lhe são disponibilizados, com o apoio permanente dos professores que estão à sua disposição e de todos os seus colegas, de forma colaborativa. Esse modelo é o elemento fundamental para o sucesso dos nossos alunos e, por extensão, da própria universidade”, explica Albert Sangrá, pesquisador de e-learning da UOC e também diretor dessa área na Unesco.
Segundo o pesquisador, as metodologias ativas são possíveis em qualquer área e disciplina, embora tenham de ser usadas estratégias diferentes em variados contextos. Ele cita estudos de caso, resolução de problemas, trabalhos em equipe, elaboração de propostas de ação, de projetos. Às vezes, contudo, algumas estratégias custam caro para a instituição. “O que por vezes é mais difícil é o desenvolvimento de recursos de apoio à aprendizagem, já que em algumas disciplinas é economicamente mais caro devido à sua complexidade técnica, como o desenvolvimento de simulações, a utilização de realidade aumentada e virtual”, diz Sangrá.
Ainda que o processo de ensino-aprendizagem seja quase todo online, as pessoas são a parte mais importante da instituição. Isso se comprova no balanço financeiro, que é aberto. Do orçamento de 2023, a maior parte foi destinada para pagar funcionários. Os salários custaram 65 milhões € (cerca de R$ 350 milhões); para tecnologia foram destinados 5,9 milhões € e para os recursos de aprendizagem, 2,3 milhões €. A UOC é uma instituição sem fins lucrativos, na qual as mensalidades representam 74% das fontes de renda.
Sangrá defende que a articulação entre professor e tutores é essencial. “O professor é responsável por cada uma das disciplinas que compõem um programa: sua concepção, conteúdo e critérios de avaliação. Os tutores trabalham em coordenação com os professores para esclarecer dúvidas dos alunos e para auxiliá-los permanentemente ao longo da disciplina no semestre”, explica. Os tutores possuem um plano de formação elaborado pela universidade, pelo qual todos passam.
Dessa forma, é com os tutores que os alunos mantêm contato rotineiro. “Eles colocam desafios aos alunos e os avaliam, mas com base nos critérios estabelecidos pelo corpo docente, e fornecem feedback para que a avaliação seja formativa e os alunos possam utilizá-la para melhorar seu desempenho de aprendizagem. Ao final de cada semestre, professores e tutores avaliam conjuntamente o resultado acadêmico e a satisfação dos alunos, para identificar aspectos de melhoria”, relata o pesquisador da UOC.
Um esforço recente da universidade catalã é formatar avaliações que consigam dar conta das competências desenvolvidas, e não só dos conteúdos e técnicas. Desde 2018, promove um sistema que mapeia o progresso do estudante em uma série de competências de forma transdisciplinar, chamado Graf. Além de permitir um acompanhamento durante os estudos, no final do curso o gráfico pode ser incluído no currículo se o estudante assim o desejar.
Outra questão vista como fundamental pela instituição é, mesmo em ambientes virtuais de aprendizagem, promover o sentimento de pertencimento à comunidade. “Isso faz com que os alunos não se sintam sozinhos, mas parte de um grupo maior que tem os mesmos objetivos. A participação em trabalhos em equipe e fóruns gera espaços onde a comunicação e interação entre os alunos é máxima, diminuindo essa percepção de um espaço frio e sem vínculos. A experiência nos mostra que existe importante vida comunitária entre os alunos”, defende o pesquisador.
Por: Revista Ensino Superior