Acolher professores novos é fundamental e gestão precisa estar atenta a isso

Publicado por Sinepe/PR em

Antes mesmo de iniciar os trabalhos em sala de aula, pensar em uma estratégia de acolhimento para docentes que estão começando na escola é tarefa importante da gestão, que também pode envolver toda a comunidade escolar

A primeira impressão é a que fica, diz o ditado. Não há evidências científicas para a expressão popular, mas, quando se começa um novo emprego, é unânime concordar que a fase de adaptação sempre virá à memória, positiva ou negativamente. Dentro de uma escola, os primeiros passos profissionais podem ser bastante significativos na trajetória de um educador.

Isaque (nome fictício para preservar a identidade) começou sua carreira docente em uma escola pública de uma forma bem traumática. “Meus primeiros dias de aula foram terríveis. Eu fui colocado para lecionar em algo que eu não tinha nenhuma formação, treinamento ou orientação”.

Sem material didático ou qualquer direcionamento, o professor chegou à escola e já foi enviado diretamente para a sala de aula. Os colegas mal o cumprimentam. Para completar o caos, a gestora escolar o recebeu com surpresa, pois não estava sabendo de sua chegada. Para a disciplina que ele lecionaria, já havia alguém encarregado.

“Eu fiquei sem saber o que fazer e sem material. Assim se passou uma semana…”, lembra o docente, que está no cargo há pouco mais de dez dias e ainda se sente bastante desconfortável. “Eu falei que era professor iniciante, então poderiam ter me orientado melhor sobre escalas, plano de aula, proposta de ensino etc”.

Para contornar a situação, Isaque deverá seguir o conselho de uma colega que passou pelo mesmo problema: pedir uma conversa com a coordenação. Enquanto isso, diz estar correndo muito, buscando ajuda em grupos online que têm sido bem receptivos às suas dores. “Isso me motivou bastante, porque diante daquele caos eu estava pensando na possibilidade de desistir, mas já estou conseguindo me adequar melhor”, afirma.

Como acolher?

O professor Isaque diz que a postura tanto da gestão quanto dos colegas é fundamental para que qualquer docente comece bem suas atividades profissionais. Especialistas ouvidos pelo Porvir acrescentam, ainda, que estratégias de acolhimento para professores novos são fundamentais.

Joice Maria Lamb, professora da educação pública e mestre em educação pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), comenta que há um senso comum a respeito da organização das escolas, compostas por uma hierarquia rígida que delimita as funções do gestor, dos coordenadores e dos professores que são mais antigos de casa.

Dentro desta lógica, Joice aponta que a questão do acolhimento fica perdida. “As escolas não são muito preparadas para acolher os professores. Temos essa ideia de que é necessário acolher os estudantes e suas famílias, mas os professores, por serem profissionais, podem se virar por conta própria e por isso acontece de muitos estarem perdidos e mal orientados”, afirma.

A resposta para evitar que os educadores não se sintam bem recebidos ao chegar na escola é transformá-la por inteiro em um ambiente acolhedor, propõe Joice.

Angela Luiz Lopes, coordenadora pedagógica de gestão educacional e escolar da Comunidade Educativa CEDAC, acredita que acolher bem também deve ser uma política de toda a rede, não exclusivamente realizada por escolas ou gestores de maneira pontual.

“Tem um elemento fundamental nisso [o acolhimento], que vem da rede. Se não, corre-se o risco de termos duplas gestoras mais engajadas com o assunto que vão realizar boas ações nesse âmbito e outras menos, que podem não se dedicar tanto”, afirma. A coordenadora ressalta que as escolas não existem sozinhas, elas fazem parte de uma rede de ensino e, portanto, deve-se implementar políticas de rede que tornem o assunto um tema presente nas formações da gestão.

Momentos diversos de acolhimento

Angela acredita que o acolhimento não se dá unicamente no momento da chegada de novos professores. Assim como sugeriu Joice, a coordenadora do CEDAC afirma que existem no mínimo três momentos de acolhimento: antes da chegada, durante a chegada e após a chegada.

Em cada um desses momentos, a gestão, quando preocupada em como receber deste novo profissional, pode organizar de maneira estratégica propostas de integração que irão apoiar o início de trabalho de quem acabou de chegar.

Uma primeira prática sugerida por Angela é conversar com os professores mais antigos de casa para saber como cada um pode auxiliar. A figura de um profissional mentor, que vai atuar como suporte aos recém-chegados, é bastante comum.

Duplas ou trios podem servir de apoio na apresentação do PPP (Projeto Político-Pedagógico) da escola e dizer quais são os valores institucionais e princípios que regem o trabalho da instituição.

Além disso, Angela considera fundamental apresentar a comunidade para esse professor que está chegando. Sair, andar pelo entorno da escola e conhecer as ruas onde ela está localizada é também uma forma de preparar o docente para a jornada que ele cumprirá dentro da sala de aula.

“O acolhimento não é algo pontual, é um processo contínuo”, destaca Angela. Ela sugere que uma volta pelos ambientes da escola, mostrando como ela funciona, é uma maneira de apresentar o PPP de uma maneira mais viva. “No geral, as questões mais rígidas de acolhimento estão associadas a uma escola que não reconhece sua identidade, que não tem isso como valor. Eu não posso dar uma coisa que eu não tenho”, argumenta.

Troca de informações

Premiada nacionalmente pelo modelo de gestão democrática na EMEF Prof.ª Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), Joice concorda que a criação de grupos serve também como um mecanismo de acolhimento bastante eficaz.

“Uma escola com uma gestão democrática é naturalmente acolhedora e ela se forma quando há processos e propostas em que as pessoas podem falar, conversar, trocar ideias e ser proativas, desmembrando um pouco a estrutura hierárquica”, pontua.

Essa visão também se dá porque a figura da gestão, apesar de encarregada de muitas demandas e tomadas de decisões, não precisa ser centralizadora e tomar tudo para si, incluindo a tarefa de acompanhar novos profissionais de maneira próxima e cotidiana.

“Se durante uma conversa de duas horas batem na porta do diretor cinco ou seis vezes para pedir uma orientação, eu já identifico que esse gestor é centralizador”, afirma Angela. “Quando a gente pensa na saúde mental de todo mundo, precisamos assegurar os fluxos, então o diretor que está preocupado com isso não traz tudo para ele mesmo”, completa.

Ela propõe que existam também lideranças que se alternem, de maneira a tornar o fluxo mais limpo e a diminuir a carga de quem está na gestão.

Acolher as emoções

Mahra Danyelly Pinto Farias, coordenadora na EEMTI (Escola de Ensino Médio em Tempo Integral) Antônio Raimundo de Melo, de Carnaubal (CE), afirma que as ações de acolhimento deveriam começar dentro do núcleo gestor, com a promoção de uma escuta ativa entre diretores e coordenadores.

A escola onde atua promove conversas mensais com todos os professores sobre aspectos socioemocionais variados, sempre guiados por uma temática específica. Assuntos como resiliência, autoconfiança, assertividade entre outros são pautados também visando as necessidades da escola. O debate também é levado aos estudantes.

“Quando gestores pensam em fazer um acolhimento com seus professores e, assim, chegar aos alunos, devemos sempre validar os sentimentos e ter uma escuta ativa. Quando o funcionário está bem emocionalmente, o processo de ensino-aprendizagem acontece com muito mais facilidade”, afirma.

Joice também destaca que uma má recepção ou ausência de acolhimento pode impactar negativamente a trajetória de uma pessoa, incluindo a possibilidade de fazê-la desistir da profissão.

“Não é verdade que os jovens vão para a profissão docente sem saber que o salário é baixo, que às vezes as condições de trabalho não são aquilo que deveriam ser, mas eu não sei se alguém vai esperando não ser bem recebido”, diz a educadora. “Esse não acolhimento pode ser a pedra que vai cimentar a ideia de que realmente ser professor não é saudável”, conclui.

Por: Porvir

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