Como IA e outras tecnologias transformam a avaliação educacional?
Metodologia de exames brasileiros ainda não foi atualizada, alertam educadores. Ministério da Educação pesquisa razões para queda do número de participantes do Enem.
Entre os muitos aspectos da realidade da educação afetados pelo surgimento de novas tecnologias, como a inteligência artificial, estão os sistemas de avaliação aos quais são submetidas as instituições de ensino.
De acordo com Maria Helena Guimarães de Castro, titular da cátedra Ayrton Senna de inovação em avaliação educacional da USP de Ribeirão Preto, metodologias como a do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) ainda estão ancoradas em normas desatualizadas, criadas em 2001.
“O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) já fez a revisão da matriz, mas ainda não aplicou nas provas de Matemática e Língua Portuguesa. O que se tem é ainda insuficiente na comparação com padrões de avaliação internacionais.”
Para ela, o Brasil tem um sistema de avaliação sério, mas que precisa de aprimoramento em nível metodológico, com provas digitais, plataformas adaptativas e uso de inteligência artificial. “Se formos observar o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), eles aplicam exames que têm inúmeros avanços em relação ao Saeb, com matrizes e metodologias muito mais avançadas, com questões abertas e respostas construídas, a partir de habilidades do século 21 que o Saeb não avalia.”
Maria Helena ressalta que os processos de avaliação servem para aprimoramento dos currículos de formação de professores e como as escolas podem melhorar sua proposta pedagógica, e não para avaliação pessoal dos estudantes.
“Esses sistemas precisam incorporar a avaliação de habilidades e competências compatíveis com o que se pratica nas metodologias de outros países. As escolas se inspiram, se apoiam nas avaliações nacionais. Se ficar como está, as escolas não serão estimuladas a mudar.”
Segundo ela, no Brasil as ferramentas de inteligência artificial ainda não são muito utilizadas em avaliação educacional, mas isso já é uma tendência mundial para acelerar a correção de provas. “Por trás existem humanos que programam a IA. É possível ampliar a quantidade de testes a custo menor. Não apenas múltipla escolha, mas também de respostas construídas. Com IA fica muito mais barato. O Pisa faz isso. A IA não vai resolver o problema, mas auxiliar especialistas a elaborar e corrigir provas.”
De acordo com Maria Helena, um aspecto fundamental do futuro das avaliações é detectar competências e habilidades socioemocionais, que são essenciais na formação integral dos estudantes e educadores. “O bem-estar e o desenvolvimento socioemocional das crianças e jovens é o grande desafio da educação no mundo atual, marcado por incertezas e radicalização crescente.”
Na opinião de Sérgio Leite, professor titular aposentado e ex-diretor da Faculdade de Educação da Unicamp entre 2008 e 2012, o risco que enfrentamos atualmente é o da manutenção de um sistema de avaliação educacional que se preocupe prioritariamente com uma espécie de ranqueamento dos estudantes.
“Esse é, sem dúvida, o formato mais atrasado.” Para ele, a avaliação é positiva e necessária, desde que seja vista como um processo para reorganizar avanços e realizar diagnósticos que permitam investir para superar as dificuldades. “Tenho muitas dúvidas se o que é feito hoje leva em conta essa perspectiva.”
Sobre a utilização de ferramentas de inteligência artificial nos processos de avaliação tradicionais, ele considera que pode ser uma alternativa válida, desde que feita com critérios. “Depende de como essas tecnologias são aplicadas. Dá para usar, mas como suporte. Quem realmente precisa tomar as decisões são os educadores.”
Governo quer entender queda da participação no Enem
A questão de avaliar e de comparecer a exames está também no centro das preocupações do Ministério da Educação (MEC). Nos últimos anos, o número de alunos que participa do Enem tem diminuído no País. No ano passado, menos da metade dos jovens matriculados no último ano do ensino médio fez o exame.
Em visita ao Estadão no início do mês, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que governo conduz uma pesquisa para entender os motivos. “Falta uma liderança local para fazer a motivação, falta o estímulo das redes com alunos.”
Sobre mudanças no Enem por causa da reformulação do novo ensino médio, aprovada mês passado na Câmara dos Deputados, Camilo afirmou que a prova não deve avaliar a parte flexível do currículo. “O Enem precisa ser todo só sobre a formação geral básica.”
Em audiência no Senado, o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Rubens Lacerda, disse que “na prática, o itinerário formativo é que vai ter de se adaptar ao Enem”. Segundo ele, é mais adequado que as próprias escolas, as redes municipais e estaduais façam as avaliações formativas com relação a essa parte opcional que ficará para o futuro. “Isso garante a flexibilidade que é a proposta de todo o debate do ensino médio.”
Pisa avalia como estudantes abordam os problemas
O Programme for International Student Assessment, sigla em inglês do que ficou conhecido apenas como Pisa, tornou-se o maior exame de estudantes do mundo nos últimos anos. Ele é feito de três em três anos, desde 2000, e avalia adolescentes de 15 anos, independentemente da série em que estejam em seus países. Ele foi realizado em 2018, com resultados conhecidos no fim de 2019.
Por causa da pandemia, o Pisa 2021 não pôde ser aplicado e acabou sendo transformado em Pisa 2022, com divulgação em 2023. Desta prova mais recente participaram 81 países, membros da OCDE (a organização dos países mais desenvolvidos) e nações convidadas, como o Brasil. A prova avalia competências e habilidades em três áreas: Leitura, Matemática e Ciência. A cada ano, o foco do exame é em uma das três. O Pisa 2022 focou em Matemática.
“As provas não são mais sobre se os alunos acertaram ou erraram a pergunta, e sim sobre como abordam um problema, se eles estabelecem uma meta, quais são suas estratégias, sua motivação”, disse ao Estadão o diretor de Educação e Habilidades da OCDE e um dos criadores do Pisa, Andreas Schleicher, durante evento em Campinas. Segundo ele, a tecnologia pode monitorar o movimento do mouse, do teclado, a voz, o olhar e os movimentos faciais dos estudantes para rastrear a forma como respondem às questões e por isso o Pisa, o maior exame mundial, vai avaliar isso em 2025.
Harvard vai padronizar requisitos de admissão
No início do mês, a Universidade Harvard, nos Estados Unidos, anunciou que vai restabelecer os testes padronizados como requisito de admissão e se torna a mais recente entre as principais instituições de ensino americanas a mudar seus processos seletivos.
Estudantes que se candidatarem para ingressar em Harvard a partir do outono de 2025 serão obrigados a enviar pontuações dos testes SAT ou ACT (provas padronizadas, parecidas com o Enem brasileiro). A universidade disse, porém, que alguns outros resultados de testes serão aceitos em “casos excepcionais”, incluindo o International Baccalaureate.
Antes, Harvard havia afirmado que manteria sua política opcional de testes até a turma de entrada do outono de 2026. Poucas horas após o anúncio de Harvard, o CalTech, um instituto de ciência e engenharia, também disse que estava restabelecendo seus requisitos para candidatos à admissão em 2025.
As escolas estavam entre quase 2 mil faculdades americanas que eliminaram os requisitos de pontuação de testes nos últimos anos, tendência que se intensificou na pandemia. A eliminação dos requisitos foi amplamente vista como ferramenta para ajudar a diversificar as admissões, encorajando estudantes pobres e minorias que tinham potencial, mas não obtinham boas notas nos exames. Apoiadores dos testes, por sua vez, afirmaram que sem as pontuações ficou mais difícil identificar estudantes promissores.
Por: Terra