Uso de cadáveres congelados e importados dos EUA para cursos de harmonização é real? Veja o que se sabe
O uso de cadáveres “fresh frozen” em um curso para de treinamento de procedimentos estéticos para dentistas, narrado por uma usuária do Bluesky nesta semana, levantou uma polêmica na rede social.
Mas o que deixou muita gente em choque é, na verdade, uma prática muito comum na medicina – ou pelo menos deveria ser, segundo Mohamad Abou Wadi, cirurgião-dentista e CEO do Grupo Kefraya, responsável pelo Instituto de Treinamento em Cadáveres Frescos (ITC).
No Brasil pelo menos duas instituições utilizam cadáveres que passam pela técnica de conservação por congelamento chamada ‘fresh frozen’. Além das unidades do ITC, a prática também é adotada pela Faculdade CTA, em Campinas.
“Fresh frozen” é o termo usado para cadáveres frescos preservados por meio de congelamento. Este é um tipo de preservação diferente da mais comum utilizada no Brasil, que é feito por embalsamamento químico com formol.
Segundo Mohamad, a diferença entre os métodos de preservação é enorme, especialmente quando a peça – termo técnico para se referir aos corpos ou partes deles, utilizadas em ensino e pesquisa – é usada em treinamento médico.
Cadáveres embalsamados têm certas limitações, como para uso de treinamentos dermatológicos, por exemplo, uma vez que a camada de pele é revestida com formol.
Não é qualquer pessoa que pode fazer treinamentos em peças anatômicas, mas os cursos são recomendado para estudantes de todos os cursos da área da saúde. São exemplos de cursos da área:
Medicina.;
Enfermagem;
Odontologia;
Psicologia;
Fisioterapia;
Farmácia;
Fonoaudiologia;
Nutrição.
Em entrevista ao g1 Campinas, a cirurgiã-dentista e professora na Faculdade CTA, Erika Bueno Camargo, explica que cada peça pode ser utilizada várias vezes, mas em determinado momento, quando não é mais possível devido ao estado de deterioração, há todo um protocolo para o reenvio de volta aos Estados Unidos. “Ela vai durar alguns meses e é muito cara”, pontua.
“A cabeça é perfeita, então o aluno tem essa sensação de conseguir passar o fio de PDO, o ácido hialurônico, e o subcutâneo do ‘fresh frozen’ e sentir como seria no paciente de verdade”, detalha.
A cirurgiã lembra que ainda existe a rigidez cadavérica na parte de músculo, no entanto, a parte subcutânea “os alunos conseguem sentir exatamente”.
Cadáveres “fresh frozen” na estética
O treinamento em cadáveres para aperfeiçoamento e domínio de técnicas de procedimentos estéticos é tão recomendado quanto para treinamento de técnicas cirúrgicas e outros procedimentos médicos mais invasivos, segundo Mohamad Abou Wadi.
Ele explica que as peças preservadas por congelamento possibilitam uma experiência mais próxima daquela vivenciada durante o atendimento de um paciente vivo. Além disso, o profissional em treinamento também se familiariza com o corpo humano de maneira mais completa.
Mohamad defende que este tipo de experiência é benéfico para o profissional e para seu futuro paciente, e avalia que procedimentos estéticos também demandam cuidado e atenção especializados, já que a realização incorreta ou cuidados inadequados podem trazer riscos à saúde.
Para evitar este tipo de erro médico, ele avalia que o conhecimento anatômico adequado e o que chama de “adestramento manual” é fundamental – e isso vai ser adquirido por meio de treinamento em espécimes humanos sem vida.
“Não dá para fazer um treinamento anatômico em porco, coelho ou cachorro, e achar que vai conseguir operar um paciente humano vivo. É preciso antes se familiarizar com a anatomia humana à exaustão”.
Importação de peças “fresh frozen”
No Brasil, a doação de cadáveres ocorre quando famílias não reclamam os corpos em até 30 dias após o óbito, ou quando a pessoa declara em vida que quer ter o corpo doado à ciência em caso de morte.
Entretanto, diversas instituições de saúde já relataram déficit de corpos para treinamento especializado. Para além de cadáveres conservados em formol com anos de uso, tem sido cada vez mais comum a utilização de bonecos e manequins robóticos.
Em contrapartida, instituições privadas se destacam pela oferta de treinamentos em “fresh frozen”, e recorrem à importação dos Estados Unidos e Europa para suas instalações.
As peças não podem ser compradas, já que a legislação brasileira proíbe a comercialização de órgãos e corpos humanos, mas empresas internacionais especializadas oferecem serviços de conservação, armazenamento e transporte de cadáveres dentro da regulação nacional.
Além disso, as instituições podem solicitar peças específicas para finalidades diversas, como um espécime com problemas dentais para treinamentos odontológicos, por exemplo.
Diferente dos cadáveres embalsamados que podem ser usados por anos, o fresh frozen tem um período útil mais curto e começa a putrefazer após alguns dias. Em contrapartida, os espécimes congelados permitem usos mais variados do que os conservados em formol.
Por: G1 Educação