Ausência de limites no pós-pandemia pode trazer impactos negativos por toda a vida
Uma das tendências percebidas pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) ao longo da pandemia foi o aumento de casos de transtornos mentais, com consequências que podem durar toda a vida. Em resposta, a entidade fez um apelo para que governos, educadores e familiares “criem uma cultura de escutar as crianças e adolescentes com mais empatia”.
Quando vejo essa notícia, imediatamente faço a conexão com a ausência de rotina e mesmo de limites decorrentes do período de confinamento, e que muitas famílias estão tendo dificuldades em retomar agora neste início de 2022.
A construção de limites na primeira infância é um processo gradual e que pode ser delicado, mas precisa ser consistente. Conforme inúmeros autores, somado à experiência prática, sabemos que a criança precisa ser respeitada e sua autonomia cultivada, mas também ter limites construídos. E o que percebi após a pandemia é que o estabelecimento de limites segue muito conturbado – e isso se reflete na difícil adaptação escolar.
Percebo que muitas famílias, com o trabalho remoto e crianças pequenas em casa, acabaram adotando uma fluidez maior na construção do que é o limite. Cito como exemplo o tempo de acesso a telas. Muitos adultos não estão dispostos a construir combinados em casa, seja do que pode ser visto ou do tempo passado diante da televisão. Porque isso requer paciência, e, algumas vezes, ouvir um pouco de manha e até choro.
Agora, porém, quando a pandemia dá sinais de estar indo embora e a vida está sendo retomada, precisamos resgatar os limites, pois esse é nosso papel como pais e direcionadores do desenvolvimento dos nossos filhos.
A criança é regida pelo prazer. E se não fizermos esse direcionamento, ela não vai conseguir evoluir rumo ao desenvolvimento de cada idade, para sair da zona de prazer e entrar na da realidade, tão necessária ao amadurecimento. É papel do adulto dar esse empurrãozinho.
Em meio ao crescimento está inserida a frustração – essa palavrinha tão repudiada por mães e pais, mas que faz parte da vida desde cedo. Se eu acho que meu filho não pode chorar, seja porque não aguento ouvir o seu lamento ou acho que fará mal a ele, o estou privando de uma experiência fundadora em sua vida – que fará falta depois. É importante lembrar que o choro não irá gerar traumas, desde que o respeito à infância esteja presente e seja alvo de muita atenção.
É isso que trará a sustentação emocional para enfrentar situações do dia a dia que acontecerão na vida, quando o jovem e adulto precisa usar suas vivências da infância como estrutura de base.
Minha sugestão é repensar a colocação de limites na primeira infância e aplicá-las com amor por nossos filhos – eles e a sociedade ainda irão nos agradecer.
*Marianna Canova é pedagoga e psicopedagoga, mestre em Educação, autora do livro “Maternidade Possível: Crônicas de uma mãe pedagoga” e diretora do Peixinho Dourado Berçário e Educação Infantil.