Do ensino fundamental ao superior, inteligência artificial impõe novos desafios
Essa reportagem poderia começar de uma forma óbvia, extraindo um trecho do que o ChatGPT responde quando perguntado sobre os impactos da ferramenta na educação ou se o ChatGPT desafia professores na sala de aula. Mas ela vai começar com uma sugestão: caso ainda não tenha experimentado o bot criado pela Open AI, faça um teste. É provável que você fique espantado, assim como os 80 alunos que fazem parte de um curso direcionado a empreendedores no Centro Universitário Internacional Uninter. Quem conta é a professora Maria Carolina Avis, do curso de SuperMarketing da instituição.
“Para minha surpresa, a maior parte nunca havia usado o ChatGPT. Quando abrimos o site e eles fizeram uma pesquisa, gostaria de ter feito uma foto do momento: todos ficaram assombrados com o que tinham nas mãos”, relata a docente, mestre em Gestão da Informação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Esse mundo de possibilidades chama atenção e, claro, levanta questões como plágio, aproveitamento do aprendizado e veracidade das informações. “A verdade é que as pessoas precisam saber como usar o dispositivo de forma a agregar conhecimento e não apenas reproduzir o que for respondido”, destaca Maria Carolina. Ela ressalta que é muito importante fazer as perguntas certas e cruzar as informações com o que achar em outras ferramentas de busca, já que o material fornecido pode conter “armadilhas”. A especialista, que também atua na área do Marketing Digital, conta que pediu um calendário para postagens em redes sociais para usar em uma aula e as datas vieram com vários erros. “Se a pessoa usar sem antes confirmar essas informações em outros sites, pode cair numa furada”, aponta.
Popularizado no início de 2023, o GPT (Generative Pre-trained Transformer ou, em livre tradução, Transformador Gerador Pré-treinado), foi criado pela empresa Open AI, laboratório norte-americano especializado em inteligência artificial que tem como um dos fundadores o bilionário Elon Musk. A primeira versão (GPT-1) foi lançada em 2018 e a atual, a GPT-4, foi aprimorada ao ponto de gerar respostas cada vez mais próximas da linguagem humana natural. Após essa divulgação acelerada, os professores se depararam com mais uma questão para lidar em sala de aula, quando, ainda, tentam administrar o mero uso de celulares por parte dos alunos.
Em Florianópolis (SC), há uma previsão de que, no segundo semestre, os professores do ensino público passem por um treinamento, segundo Maria Rosângela Bez, chefe do Departamento de Tecnologias Educacionais do município. Ela também compartilhou que alguns professores que lecionam para as séries iniciais do Ensino Fundamental buscam se atualizar sobre o uso do ChatGPT. Um deles usa de forma experimental a ferramenta com alunos do 1.º ao 5.º ano.
“O professor Juliano Carniel relatou pra gente que a proposta do projeto é usar esse recurso como apoio ao processo de letramento, alfabetização e ampliação da capacidade de abstração dos alunos”, detalha Maria Rosângela. Isso é feito usando textos, produzidos pelos próprios alunos, que servirão como base para que a inteligência artificial crie imagens. “Isso incentiva os estudantes a escreverem de forma coerente e criativa. Eles relacionam o produto visual com seus anseios e passam a perceber que o aprimoramento do modo como se expressam pode gerar os melhores resultados”, acredita a especialista. A representante da Secretaria de Educação de Florianópolis acrescenta que a socialização da prática entre os estudantes faz com que todos se desenvolvam, pensem com mais empatia e de modo colaborativo.
“Nosso grande desafio não é ensinar o aluno como usar a ferramenta, e sim, como fazer isso com senso crítico e ética”, resume Claudio Oliveira, diretor de Tecnologia e Educação da Secretaria de Educação do Paraná. Oliveira pontua que existem meios de descobrir se um texto é plagiado, mas com o ChatGPT isso pode não ocorrer. “Os professores não passaram por uma formação oficial, a discussão segue de forma superficial, mas existe essa intenção”, informa. Ele também lembra que a maior parte dos alunos já tem contato com a inteligência artificial por meio de um aplicativo disponibilizado pela secretaria que auxilia na correção das redações. “Eles colocam o texto ali, o app faz esses ajustes e o professor conclui, para avaliar outras questões importantes ao escrever”, explica Oliveira.
Desconfiança e mudança de hábitos
Que o ChatGPT desafia os professores e a comunidade escolar como um todo e vai continuar a fazê-lo, conforme a ferramenta evoluir, é inegável. No entanto, Maria Carolina Avis relembra que as reações ao site conversacional são muito semelhantes ao que foi visto quando a internet começou a se popularizar. “As pessoas achavam que a máquina ia tirar o emprego delas. E não foi isso o que aconteceu. Na verdade, entendo que corre o risco de perder o emprego quem não souber a forma mais adequada de usar a ferramenta”, diz a especialista.
A diretora da escola curitibana Pedro Apóstolo, Carolina Paschoal, destaca o papel do professor nesse preparo. Segundo ela, que também é pedagoga, os professores estão atentos a respeito do que os alunos constroem e, sobretudo, é a instituição que ensina isso no dia a dia: a importância de ser um indivíduo original, sem necessidade de reproduzir ou copiar o outro. Para a educadora, o uso da inteligência artificial exige, antes de tudo, maturidade e parcimônia, características que a maioria dos cérebros em desenvolvimento não conseguem ter em sua totalidade. Por isso é importante que a atenção seja voltada para a capacidade desses alunos.
Carolina usa como exemplo a entrevista que concedeu à Gazeta do Povo para ilustrar essa originalidade. “Eu poderia colocar as questões sobre como o ChatGPT desafia professores na própria ferramenta e ter uma boa e acentuada resposta. Mas, então, toda a experiência que acumulei ao longo dos anos na área da educação e todos os livros que meus olhos alcançaram, ficariam em que lugar? Uma analogia que se pode fazer é que devemos colocar os recursos de aprendizagem em prateleiras e utilizá-los quando necessário”, ensina a diretora.
Há pontos em comum salientados por todas as pessoas ouvidas nessa reportagem: o ChatGPT desafia os professores, mas é mais uma ferramenta que vai ser incorporada ao dia a dia, assim como tantas outras que ninguém mais lembra como era viver sem. Seja para quem precisa criar conteúdos atrativos que vão ser usados em sala de aula, seja para quem escreve um material jornalístico, seja para o aluno que não sabe que um dia existiu uma coleção de livros chamada Barsa que parecia conter todo o conhecimento do mundo, o bot veio para democratizar ainda mais os conteúdos disponibilizados na internet.
“No entanto, é importante lembrar que o ChatGPT é uma ferramenta e não pode substituir completamente a interação humana na sala de aula. Os professores ainda desempenham um papel vital no ensino e no aprendizado, e é importante que os alunos continuem a ter contato direto com seus professores”, diz ele, o ChatGPT.
Por: Gazeta do Povo