Criatividade: potente catalisador para a inclusão escolar
“Dê aos alunos algo para fazer, não algo para aprender; e o ato de fazer é como o incentivo por pensar; a aprendizagem resulta naturalmente”. (John Dewey)
“Como farei para ensinar física ao André?”, perguntou-se Bruno ao receber seu novo aluno. André era cego e acabara de integrar uma das turmas do ensino médio na escola Professor Nagib Coelho Matni, situada na periferia de Belém do Pará. Bruno decidiu apostar na capacidade criativa dos seus estudantes para encontrar respostas. Como falar sobre luz, cores e formação de imagens para quem não enxerga? Esse foi o desafio assumido pelos adolescentes que, ao debaterem possibilidades, decidiram produzir materiais que favorecessem a compreensão sobre conceitos da óptica por meio do tato.
Depois de se dividirem em pequenos grupos, o primeiro passo foi pesquisar na internet o que já existia no campo do ensino da física para pessoas com deficiência visual. Ao se aproximarem do trabalho de especialistas, como Eder Pires de Camargo, Jorge Adonai Coelho Brasil e Simone da Graça de Castro Fraiha, os estudantes ampliaram seu repertório sobre o uso de recursos não visuais e partiram para a fase de criação dos materiais. Tinham como premissa usar insumos recicláveis e de baixo custo. Além de participar de um dos grupos, André ficou responsável por testar a qualidade de cada produto, avaliando se correspondiam ao objetivo de propiciar o entendimento de fenômenos ópticos sem que fosse necessária a visão.
Para o ensino da formação de imagens em espelhos planos, por exemplo, os alunos criaram uma “maquete” com uma base quadrada de madeira, sobre a qual foram colocadas duas bonecas idênticas, frente a frente, em extremidades opostas. A base foi dividida por uma placa de acrílico, fixada verticalmente no centro da maquete. Uma boneca representava o objeto real e a outra a imagem virtual formada no espelho plano.
Como forma de simular os raios de luz entre o objeto e a imagem, os estudantes conectaram as bonecas por meio de quatro linhas de crochê, amarradas em partes diferentes do corpo. Tais linhas atravessavam o acrílico por meio de furos. Chamou a atenção de Bruno a sofisticação e a eficiência do material inventado pela turma. Soluções com o mesmo nível de complexidade foram produzidas para aulas sobre refração, dispersão da luz, formação das cores, composição da luz branca e formação de imagens no espelho côncavo.
Protagonistas da própria aprendizagem
É importante citar que essa experiência levou os estudantes a transcender as fronteiras da física e se interessar por temas candentes da vida contemporânea, como igualdade e respeito. Uma das indagações era “quem deveria se responsabilizar por garantir que André aprendesse Física? O Estado? A escola? A família?”. Na busca por subsídios, fizeram pesquisas, leram artigos, assistiram a reportagens. Enfim, desenvolveram ações que denotam um processo genuíno de apropriação do conhecimento, que dialoga com o pensamento de Dewey referenciado na epígrafe.
Durante o desenvolvimento desse projeto, Bruno procurou estimular os alunos a serem os protagonistas da sua aprendizagem, aguçando sua curiosidade e um olhar de pesquisador, tanto no plano individual, como no coletivo. Segundo ele, “Da concepção à confecção dos produtos educacionais, todo processo criativo foi conduzido por eles”.
Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes Site externo, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getulio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.
Fonte: Rodrigo Hübner Mendes – Diversa
Data: 05/09/2019