Qual o próximo passo para melhorar a educação de estudantes negros?

Publicado por Sinepe/PR em

A psicóloga Cida Bento e o jornalista Tiago Rogero avaliam o impacto de políticas públicas para uma educação de qualidade

“Na escola, eu nunca me esqueci de que era negra.” A declaração é de Cida Bento, doutora em psicologia, conselheira e uma das fundadoras do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades). Uma das principais referências na pesquisa da questão social no país, a pesquisadora defende a necessidade de existir não apenas acesso, como também mecanismos de proteção que garantam a permanência de crianças, adolescentes, jovens e adultos pretos, indígenas e quilombolas nos espaços formais de educação.

“Existe uma desigualdade de acesso, principalmente na educação infantil. Mas me preocupa: acessar que tipo de escola? É preciso assegurar que esse acesso será a uma escola qualificada”, questiona Cida. Eleita em 2015 pela revista The Economist como uma das cinquenta pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, a pesquisadora foi uma das convidadas da Bett Brasil 2023, evento de tecnologia e educação realizado em São Paulo (SP).

Durante o debate intitulado “Poder para a educação: um grito para o acesso”, realizado na quinta-feira (18), Cida reforçou a importância de as escolas serem acolhedoras, tanto para crianças brancas, quanto para indígenas, pretas e quilombolas. O debate contou com o jornalista Tiago Rogero, criador do Projeto Querino, que apresenta, a partir de um olhar afrocentrado, a história do Brasil.

Além da garantia à educação, bem como à estrutura adequada, tecnologia e alimentação, Cida reforça que a escola é um espaço de acolhimento, e não “um lugar que te lembra o tempo inteiro de que você não pertence”. Quando se fala em qualidade na educação, é preciso refletir sobre que tipo de qualidade se busca. “Senão, vamos imaginar que uma boa escola é aquela em que a elite está. E há uma parcela da elite que nos envergonha todos os dias”, ressalta.

“O conceito de escola de qualidade não é só uma escola capaz de acolher a multiplicidade, mas (de um espaço) onde os valores civilizatórios estejam em jogo. Ou seja, o contato com o meio ambiente, a relação com as pessoas, o conceito de brasileiro agregando toda multiplicidade de religiões, culturas, fenótipos”, complementou.

A contribuição dos povos pretos

O Projeto Querino, liderado por Tiago, reúne matérias e episódios em podcast mostrando como a história explica o Brasil de hoje, revisitando a trajetória do país por uma perspectiva africana e afrodescendente. A iniciativa é inspirada no “1619 project”, feito pelo jornal norte-americano The New York Times e pela The New York Times Magazine, com áudios e textos dedicados à história e aos impactos da escravidão nos Estados Unidos.

“Se a gente pegar a história da educação no Brasil, o acesso de pessoas negras, desde o início, ou era impedido ou dificultado”, comentou. Apesar de todos os impedimentos existentes, Tiago avalia que o sonho ainda é de uma educação de qualidade, acessada por todos.

Cida Bento diz perceber uma mudança positiva nas escolas quando o assunto é discutir a contribuição dos povos pretos na construção do país. “Eu tenho acompanhado muita ebulição, principalmente nas escolas particulares. Vejo uma mudança na escola pública, uma participação crescente de pais, gestores e professores”, afirmou.

Os palestrantes reforçaram a importância das cotas raciais na universidade e na sociedade brasileiras. Com a chegada de pessoas pretas no campo acadêmico, houve também um aumento significativo na produção de conhecimento e, com isso, uma ampliação na multiplicidade de olhares e discursos. “Graças às políticas de ação afirmativa, o que eu tenho percebido é essa enormidade de produção de conhecimento, que só estamos tendo acesso porque os nossos estão entrando na academia”, disse Tiago.

Cida acredita que as cotas contribuem para o avanço significativo da sociedade. “Na minha área de psicologia, décadas se passaram sem reconhecer a necessidade da espiritualidade e isso sempre esteve nas comunidades ancestrais africanas. A psicologia demorou muito tempo porque se espelha com o que vem da Europa e dos Estados Unidos. Tem que aprender com outros tipos de saberes tanto para fortalecer a subjetividade, quanto para possibilitar processos de cura.”

Ela também reforçou que as cotas contribuem para que outros escopos teóricos ganhem espaço, e elogiou a lei 10.639/03: “Acho que a lei que obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas é profundamente civilizatória.” E, com relação à ampliação de espaço e participação em outras esferas sociais, a psicóloga sugere que haja engajamento social: “Temos que pressionar sempre”.

Por: Por Vir