Como engajar os alunos na alfabetização e leitura?
Recursos como o uso de histórias em quadrinhos e personagens conhecidos dos desenhos animados permitem atividades lúdicas e motivadoras no ambiente escolar
Alfabetizar ultrapassa a simples reprodução ou compreensão das palavras – envolve a interpretação das informações, além da apropriação da linguagem escrita para se comunicar. O conceito de letramento acompanha a alfabetização, visto que representa a ação de ler e escrever, entendendo a linguagem como prática social. Juntos, possibilitam a vida em sociedade e compreendem processos importantes no desenvolvimento de cada indivíduo.
Além do conhecimento especializado dos professores, esse processo exige planejamento e uma boa dose de criatividade a fim de manter as turmas engajadas em sala de aula. Para tanto, explorar estratégias pedagógicas que aproximam a alfabetização da realidade dos estudantes e tornam o processo mais lúdico e divertido pode ser um bom caminho.
Segundo Waldomiro Vergueiro, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e professor titular da mesma instituição, as histórias em quadrinhos podem ser grandes aliadas dos profissionais da Educação Básica por serem materiais familiares e, portanto, recebidos de forma positiva pelas crianças. “O professor que conhece seus alunos saberá identificar os personagens e as histórias que mais geram interesse, elaborando estratégias adequadas aos objetivos [de aprendizagem]”, diz.
Vergueiro é fundador e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da USP e lembra que, no Brasil, especialmente a partir da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), os quadrinhos passaram a ter um lugar importante no processo educativo formal. “Eles oferecem alternativas de ensino e possibilidades de novas abordagens do conteúdo de muitas disciplinas, colaborando ativamente no processo de ensino e aprendizagem”, destaca.
Mas nem sempre foi assim. O especialista lembra que, durante muito tempo, predominou a desconfiança de que as histórias em quadrinhos traziam mensagens pouco educativas e afastavam as crianças da leitura de outros materiais. “Tratava-se de um preconceito contra os quadrinhos, rotulados como ‘leitura de segunda categoria’. Felizmente, os avanços nesse campo colocaram em xeque essas presunções equivocadas e passaram a valorizar as várias leituras necessárias ao mundo contemporâneo”, aponta.
Das fábulas às HQ’s
Em 2019, a professora Janete Rodrigues Cardone desenvolveu com seus alunos do 5.º ano da Escola Anísio de Souza Marques, em Iraquara (BA), uma atividade na qual transformavam fábulas em histórias em quadrinhos. “Utilizamos as fábulas ‘A lebre e a tartaruga’ e ‘O vento e o sol’. Usando recursos gráficos e habilidades artísticas, garantimos o desenvolvimento de competências gerais no âmbito pedagógico de toda turma. Até as crianças com dificuldades de aprendizagem apresentaram seus conhecimentos com mais segurança por meio dos desenhos”, conta Janete.
Ela cita que, por meio da atividade, foi possível desenvolver práticas de planejamento, produção e revisão textual, compreender as características do gênero textual em questão, aprender a partir dos recursos gráficos e desenvolver a escrita.
Luciana Falkenbach, que é assessora pedagógica da Editora Culturama, reforça que é possível usar os quadrinhos e os seus personagens com turmas de várias idades. “Pensamos inicialmente em desenvolver habilidades de leitura, mas é possível extrapolar esse contexto para outros componentes, de forma dinâmica e lúdica, contemplando o que está previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, assegura.
Ela destaca a importância do contato das crianças – no caso da alfabetização – com o suporte textual dos próprios gibis. “É comum que escolas façam cópias, pela falta de recursos, e o aluno tenha apenas os papéis em preto e branco, sem qualidade, [que oferecem] manejo diferente”, diz Luciana.
Uma maleta de ideias e possibilidades
Pensando em proporcionar essa experiência nas escolas, a Editora Culturama desenvolve o projeto Quadrinhos na Escola, que contempla uma maleta com 35 gibis Disney da mesma edição e um guia para o professor. A gerente editorial Naihobi Steinmetz explica que, nesse apoio ao docente, são apresentadas três histórias com as quais ele pode trabalhar, todas considerando habilidades da BNCC que podem ser desenvolvidas com a classe.
“Na primeira maleta, trouxemos o gibi Histórias Curtas edição 1. A partir dele, indicamos ao professor como ele pode apresentar o gibi para a turma, desde a capa até o roteirista, o ilustrador, partindo para sequências didáticas possíveis para esse conteúdo especificamente, como [atividades de] interpretação, ligar o personagem às características, chegando às sugestões mais diferentes”, explica Naihobi.
Segundo Luciana, entre os objetivos da Culturama com a iniciativa Quadrinhos na Escola, está entregar um recurso que facilita a vida do professor e que vai além do livro didático. Ela explica também a ideia de phigital, em que o mundo físico e digital está conectado para oferecer a melhor solução: “A gente tem o que é mais importante em formato físico – como o gibi –, mas, o que é complementar, como as sequências didáticas e dicas para o professor, estão no aplicativo Culturama Educação ou em arquivos digitalizados”.
Além disso, a pedagoga assegura que o fato da ferramenta se organizar de acordo com os códigos da BNCC, suas habilidades, objetivos de aprendizagem e campos de experiência facilitam o trabalho do educador em sala. “Os projetos que nós desenvolvemos servem como apoio e orientação, mas não diminuem a capacidade do professor, pois ele consegue avançar em cima dos caminhos que entregamos. Em alguns casos, desenvolvemos até formações pedagógicas, o que possibilita trocas importantes”, conta Luciana.
Complementando os projetos com quadrinhos Disney, a Culturama também possui a Supergibiteca, um móvel com cerca de 300 gibis sortidos, que acompanha um livro do professor com sugestões de atividades para diversas faixas etárias e componentes curriculares, de Matemática à Educação Física.
Promovendo identificação e engajamento
A professora e alfabetizadora Luciane Domingues Ramos, que atua com a Educação Infantil e o Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Finais) na EMEF Professor João Carlos Von Hohendorff, em São Leopoldo (RS), conta que utiliza não somente os quadrinhos, mas também foca nos personagens conhecidos das crianças para cativar e gerar identificação, principalmente quando precisa abordar assuntos que não despertam o interesse do grupo de imediato. “Ter esse olhar ajuda a mobilizar o aluno para a leitura e a escrita”, complementa.
No Espaço Virtual de Aprendizagem e Multimídia (EVAM), onde trabalha com os componentes extracurriculares cinema, webrádio, podcast e fotografia, Luciane relata que já fez muitas atividades baseadas em personagens de quadrinhos. Para ela, é o tipo de proposta que cabe às diferentes áreas do conhecimento e faz parte do repertório infantil e juvenil. Nas classes de alfabetização, a educadora dá exemplos que considera ações simples, mas efetivas: “Fizemos um alfabeto de heróis e jogos envolvendo esses nomes.
Em outros casos, projetos mais elaborados discutiram a partir dos personagens] questões éticas, temáticas transversais ou algum assunto que tenha surgido nas aulas”.
O projeto Aprendendo a Ler, também da Editora Culturama, se encaixa nesse contexto, e é organizado a partir de quatro níveis com características que auxiliam na motivação para conquistar a fluência na leitura.
“Entendemos que a criança segue uma escadinha até alcançar o objetivo final, que é a leitura fluente. Então, a ideia é começar com aqueles que estão aprendendo as primeiras letras e seguem até um cenário mais independente, de leitura autônoma”, explica a pedagoga Luciana. Ela destaca que esse leitor precisa de um material adequado, com o qual se engaje e se sinta motivado.
Em cada um, desenhos, personagens e temáticas diferentes são escolhidos para guiar as atividades com as quais os alunos vão interagir, como Dumbo, Mickey, Nemo, Rei Leão, Toy Story, Universidade Monstros, Divertidamente, Moana, Luca, entre outros. Além disso, o educador recebe os materiais com sugestões de sequências didáticas e há também características específicas para cada público como o uso de letra bastão, espaçamento maior e pouco texto para o nível 1. “No nível 3 e 4, por exemplo, já apresentamos as maiúsculas e minúsculas, assim como quebras de texto diferentes. Lá no começo, a gente sabe que a criança não tem fôlego para uma linha tão comprida, e isso é considerado”, detalha Luciana.
Por fim, Luciana conta que o Aprendendo a Ler é um projeto inédito no Brasil. “Usamos as histórias originais criadas pela Disney, mas a gente se preocupou muito em oferecer a visão teórica que se usa por aqui. Então, buscamos subsídios que embasam todo o percurso de ensino da leitura no Brasil e acrescentamos os recursos de apoio que vão contribuir para que os professores desenvolvam a compreensão leitora dos alunos”, conclui.
Por: Nova Escola