Como implementar a carga horária presencial na EaD – e vice-versa – de maneira eficiente
Em vigor há pouco mais de quatro anos, a Portaria n.º 2.117/2019 teve grande impacto no ensino superior brasileiro, ao estabelecer novos limites para a carga horária da educação a distância (EaD) em cursos presenciais. O percentual, que era de 20%, dobrou, sob a condição de que o conceito das graduações seja igual ou superior a 3 em determinados indicadores (a saber: metodologia, atividades de tutoria, e tecnologias de informação e comunicação).
Na teoria, a possibilidade de as instituições de ensino superior (IES) ministrarem até 40% de suas aulas presenciais no formato EaD – enquanto a educação a distância pode oferecer até 30% de sua carga horária em formato presencial – trouxe algumas vantagens para o setor privado.
Esse novo cenário se consolidou com a chegada da pandemia, quando o ensino híbrido ganhou popularidade. Mas o crescimento não se restringiu ao período de crise sanitária. Uma pesquisa recente encomendada pelo Google à Consultoria Educa Insights mostra que os brasileiros estão cada vez mais adaptados à modalidade. Cursos com carga horária remota, considerando EaD e semipresencial, já são os favoritos de 64% dos estudantes de graduação.
Mesmo diante desse interesse todo pela educação a distância, nem todas as IES conseguiram se adequar às mudanças estabelecidas pela portaria. Com isso, elas perdem uma excelente oportunidade de crescimento.
Em entrevista ao portal Desafios da Educação, o diretor da +A Educação, Gustavo Hoffmann, e o gerente de inovação da Plataforma A , Igor Sales, falam sobre o impacto da portaria, passados esses primeiros anos de implementação da medida. Além disso, avaliam o que é necessário para implementar a carga horária presencial na EaD – e o contrário – de maneira eficaz e benéfica à aprendizagem dos estudantes.
Gustavo Hoffmann e Igor Sales falam sobre como implementar carga horária inversa nas modalidades presencial e EaD
Como avalia o impacto da Portaria nº 2.117/19 na educação brasileira?
Gustavo Hoffmann – Quando saiu essa portaria, eu estava estudando metodologias ativas, ensino híbrido, sala de aula invertida fellowship (pela Universidade Harvard), mas atuava como pesquisador visitante. E lembro muito bem que dei entrevistas dizendo que essa era a maior oportunidade que o ensino superior tinha de fazer algo inovador, alinhado à educação do século 21. Por outro lado, tinha certa preocupação, porque não sabia exatamente o que as IES iriam fazer com esses 40%. De lá pra cá, pouca coisa mudou. As instituições de ensino não tiveram conhecimento e experiência para introduzir um modelo de ensino que de fato explorasse essa oportunidade.
Igor Sales – Essa portaria representou uma grande mudança, especialmente no que diz respeito à inovação dos métodos de ensino. Deu maior flexibilidade para as IES criarem novas modalidades e recursos, questionando o status quo da educação – de ser 100% presencial ou, mais recentemente, 100% EaD – e expandiu a qualidade, a oferta e, principalmente, o acesso à educação superior. Obviamente que a pandemia acelerou esse processo, derrubando barreiras em relação ao conceito, à sociedade, à experiência e à própria qualidade da educação a distância, acelerando o processo de hibridização do ensino.
De modo geral, as IES estão conseguindo fazer essa adaptação? Ou há dificuldades pontuais?
Hoffmann – Quando o índice era de 20%, as IES escolhiam algumas disciplinas e ofertavam modelos 100% a distância nelas. É como pegar um curso e dividir: algumas disciplinas são 100% a distância, e outras tantas, totalmente presenciais. Isso não faz sentido nenhum. As discussões na educação mundial buscam combinar o presencial com a EaD, e não separar, como está acontecendo no Brasil. Normalmente a oferta dessas IES é muito ruim – a experiência, a percepção de qualidade, de valor…
O que boa parte das instituições fez foi escalar esses 20%, colocando mais disciplinas EaD. Para buscar algo mais aderente ao que o mundo real precisa, é necessário modelar o híbrido. Não separar disciplinas somente a distância e presenciais, mas dentro de um componente curricular, entendendo as competências que se vai trabalhar, colocar uma parte da oferta a distância, de forma que o acesso ao conteúdo possa acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar. Assim se respeita o ritmo de aprendizagem de cada aluno. Além disso, se eu pego esse e coloco no , permito que os momentos presenciais sejam utilizados para aplicá-lo, através de metodologias ativas. A exposição ao conteúdo passa a acontecer em casa, e a lição de casa, dentro da escola.
O modelo de sala de aula invertida no ensino híbrido tende a funcionar melhor do que o 100% presencial. E muito, muito melhor do que o modelo 100% EaD, que hoje impera em boa parte das IES. O caminho é mesclar o que há de melhor nas duas modalidades.
Sales – Acho que todas as IES, em diferentes níveis, enfrentaram desafios. Algumas, principalmente as que já estavam familiarizadas com o ensino a distância, conseguiram se adaptar de forma mais fluida. Mas foram poucas. A grande maioria passou por dificuldades muito claras com tecnologia, capacitação docente e métodos de ensino. O caminho para superar essas barreiras foi encontrar parceiros que pudessem aportar soluções de infraestrutura e tecnologia, de capacitação do seu corpo docente e, mais do que qualquer outra coisa, metodologias e conteúdos direcionados para a hibridização. As IES que tentaram vencer essas barreiras sozinhas encontraram mais dificuldades.
Um dos principais desafios é integrar o que é feito no presencial e a distância. E a única forma eficaz de se fazer isso é tendo uma integração de tecnologias robusta, preferencialmente com uma plataforma que consiga monitorar o desempenho dos estudantes, entregar conteúdo, criar a comunicação entre os pares, trazer interatividade, com qualidade, propósito e significado. Acho que aí a Plataforma A cai como uma luva, seja com LXP, com conteúdo, com projetos, enfim, com uma infinidade de soluções integradas que acompanham o aluno do início ao fim do curso.
Mas isso só é possível com capacitação. Não adianta você ter o melhor conteúdo do mundo se o seu docente ainda estiver preso a formatos e métodos de uma era pré-digital. A educação sempre foi muito focada em teoria, no just-in-case. Se aprendia muito para, se for o caso, no futuro, aplicar. A gente vive uma mudança para o just-in-time. É uma mudança significativa, e a gente precisa que o professor aprenda a trabalhar com isso.
O que é preciso para implementar a carga horária presencial na EaD – e vice-versa – de maneira eficaz?
Hoffmann – Em relação à oferta dos cursos a distância, em que são permitidos até 30% presenciais, temos uma bela oportunidade de não fazer algo 100% online, ou 100% a distância, e promover alguns momentos presenciais para a aplicação de metodologias ativas. Para mim não faz sentido o aluno ir até um polo presencial para assistir uma teleaula ou uma aula expositiva com o professor. Ele deveria ir à IES para aplicar o conteúdo que teve a semana inteira para estudar em casa, no seu próprio ritmo.
Os momentos presenciais devem ser utilizados para a aplicação de metodologias ativas, aprendizagem baseada em projetos, peer instruction, laboratórios, aulas práticas. Isso faz toda a diferença. Se for no modelo 100% on-line, existem ferramentas muito interessantes para aplicar essas metodologias. Plataformas como Blackboard Collaborate, Zoom ou Google Meet permitem que você “quebre” a sala de aula. Por exemplo: se você tem 50 alunos, pode dividir em dez grupos de cinco, colocar pra discutir um tema, depois voltar, fazer uma enquete… Ou seja, utilizar momentos síncronos e não presenciais para a aplicação desse conteúdo através de metodologias ativas. Não é a clássica sala de aula divertida, mas o efeito é muito parecido.
Acho que estamos fazendo algo bem distante do que entendo que seja o modelo ideal. É possível explorar de uma forma muito melhor, tanto os 40% dos cursos profissionais quanto a presencialidade nos cursos.
Sales – É fundamental aprender a trabalhar com metodologias ativas no modo híbrido. O que precisa ser feito no presencial? O que precisa ser feito a distância? Como a gente traz esse conceito do just-in-time para a aprendizagem, tanto no on-line quanto no presencial?
Diferenciar essa carga é trazer um propósito, uma intencionalidade pedagógica para cada momento, seja ele presencial, seja on-line, síncrono ou assíncrono. Não adianta separar um percentual pelo percentual, um percentual pelo custo. Eu tenho que pensar no propósito e no significado da aprendizagem para a disciplina, para o estudante e para a profissão.
Outro ponto que é uma enorme oportunidade para aprimorar esse processo é o feedback. Passamos a ter o apoio do digital para saber como melhorar o que fazíamos antes e trazer análises sobre as avaliações. Podemos acompanhar com muito mais inteligência o progresso de cada estudante. E fazer ajustes durante o curso para que o conteúdo e o processo de aprendizagem se adequem às mudanças que vêm acontecendo. Também é fundamental manter o engajamento e a integração dos pares. Talvez esse seja um desafio maior no digital, mas com certeza deve ser visto como prioridade.
Por: Desafios da Educação