Por que e como ir além das provas tradicionais?
Diferentes instrumentos favorecem o olhar integral para os alunos e a consolidação dos conhecimentos
“Precisamos buscar novas estratégias e ferramentas para avaliar nossos estudantes, principalmente porque dentro de uma sala de aula encontramos um universo de diferenças. Cada um deles tem gostos, histórias e características diferentes, e isso precisa ser levado em conta também nas avaliações”
A percepção da professora de História dos Anos Finais do Ensino Fundamental, Roberta Duarte da Silva, que leciona na EM Professor Silvio Romero Vieira, em Jaboatão dos Guararapes (PE), sintetiza uma reflexão constante e sempre atual entre educadores sobre como a aprendizagem pode avançar a partir dos indícios trazidos por avaliações.
O leque de formatos é bastante amplo. Mas, independentemente de qual for escolhido, a opção precisa ser por uma avaliação orientada para a aprendizagem e não uma avaliação da aprendizagem, analisa Rodrigo Fonseca, formador de professores, pesquisador em avaliação pelo LOED (UNICAMP/FE) e sócio-diretor do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Consultoria (Nipec).
Por que avaliar de diferentes formas?
Rodrigo questiona a validade de se depositar em um único formato avaliativo, especialmente os mais convencionais, todas as apostas para conseguir compreender se a aprendizagem dos estudantes foi exitosa. “Talvez eu consiga compreender apenas uma parte. A pergunta que fica é: esse pedaço compreendido é suficiente para uma intervenção de qualidade, sempre buscando a potencialização do direito que essa criança tem de aprender?”, diz.
A diversificação das formas de avaliar, então, apoia a visão do professor e traz mais insumos a respeito do quanto a aprendizagem alcançou os estudantes. “Se há um comprometimento legítimo para a aprendizagem de todos, o planejamento é como se fosse o mapa e a avaliação, uma bússola. Assim, o professor e a escola estão o tempo inteiro avaliando para ver o que está funcionando, o que não está funcionando”, afirma Rodrigo.
Diagnóstica, formativa e somativa
Alessandra Novak, bióloga e professora do Programa de Especialização Docente (PED Brasil), do Lemann Center for Educational Entrepreneurship and Innovation in Brazil, localizado na Stanford Graduate School of Education e desenvolvido em parceria com o Instituto Canoa, explica que são três as modalidades básicas de avaliação (sem considerar a externa): a diagnóstica, a formativa e a somativa. “Mais do que dizer quando cada uma deve ser aplicada – no início, durante ou no fim do ciclo –, nós as classificamos pelo uso que se pode fazer dos resultados. Por exemplo: na avaliação diagnóstica, o professor quer levantar os conhecimentos prévios [dos alunos]. Mas qual o objetivo disso e o que fazer com o resultado? Ela vem com esse propósito de fazer o diagnóstico, no entanto, pode acontecer no início do ano ou de um novo bimestre.”
A avaliação formativa, por sua vez, prevê um acompanhamento da trajetória do estudante durante a aprendizagem, mesmo que não seja de maneira formal. “É possível fazer anotações a partir de um bate-papo ou de um trabalho em grupo e coletar várias pequenas evidências de que o aluno está ou não aprendendo, o que permite a ele próprio compreender sua evolução e planejar os próximos passos. Essa avaliação também não é necessariamente para compor nota, mesmo que resulte em uma quantificação”, detalha Alessandra. Os instrumentos podem ser variados e envolver produções orais, coletivas e individuais, trabalhos e pesquisas, seminários, estudos de caso, autoavaliação e questionários.
Já a avaliação somativa é a mais tradicional, que determina o grau de domínio dos conteúdos pré-estabelecidos. Ela costuma ser aplicada em atividades de múltipla escolha, resposta construída, exames escritos ao final de um período escolar etc.
De acordo com Aline Soares, especialista na formação de professores para aplicação de metodologias ativas e ferramentas de tecnologia digital, quando se trata de pensar em boas práticas de avaliação, o senso comum as entende apenas como provas somativas que extrapolam o conhecimento formal. Entretanto, por mais que essas sejam formas interessantes de avaliar, ela acredita que é necessário recorrer a formatos diferentes. Aline descreve um exemplo de avaliação formativa: “No componente de Língua Portuguesa, como o professor pode avaliar a expressão oral? É possível observar como esse aluno se expõe para o grupo, como articula suas falas, seja avaliando a discussão de um texto trabalhado com a turma ou em uma exposição”.
A professora Francilda Machado, que leciona História na EM Santa Bárbara, em São Bento, zona rural do Maranhão, defende a manutenção de provas dissertativas e de múltipla escolha – tipos de avaliações somativas – por preparem os estudantes para desafios educacionais futuros, como vestibulares e concursos públicos, mas também gosta de incorporar outros formatos avaliativos aliados, como:
- Produção de mapas mentais dos conteúdos estudados: demonstram a capacidade do aluno de sintetizar o que aprendeu e a qualidade da sua compreensão);
- Exposição oral dos pontos de maior relevância na opinião do estudante: evidencia se ele identificou as informações mais relevantes e sua habilidade de comunicação);
- Grupos de estudos em sala e apresentação de seminários: ajudam no desenvolvimento da expressão oral e na fixação das aprendizagens);
- Autoavaliação: levam o aluno a fazer uma análise do seu protagonismo no aprendizado estabelecendo metas e expectativas).
Feedbacks e avaliação comparativa
Outra possibilidade de avaliação formativa é a comparativa, que não tem o objetivo de quantificar o ensino, mas qualificá-lo com uma reflexão sobre o que foi aprendido. É uma forma de comparar o que o aluno sabia antes com o que ele construiu durante ou ao final da aula, e não necessariamente é realizada no início do ano ou de um ciclo, como a diagnóstica.
Segundo o Guilherme Falcão Porto, professor de Ciências e Tecnologia do 6.º e do 9.º ano na EE Bento de Abreu, em Santa Lúcia (SP), é possível aproveitar o conhecimento empírico do aluno, já que normalmente trabalha-se um tema com o qual o estudante já teve o mínimo de contato. “No 9.º ano, quando vou abordar genética, sei que essa é uma habilidade difícil conceitualmente, mas da qual eles já ouviram falar alguma coisa. Então, logo na primeira aula, costumo escrever a palavra genética na lousa e pergunto o que eles entendem sobre o termo. Deixo fluir bastante a conversa e depois entro com o conteúdo de fato, explicando os conceitos e fazendo atividades.”
No final do agrupamento de aulas sobre genética, ele divide a sala em ilhas de produtividade – trios com alunos que têm baixo, médio e alto conhecimento – e aplica um questionário para eles responderem. Finalizada essa etapa e com as respostas do exercício, Guilherme volta às conversas anteriores para poder comparar e ver junto com os alunos o quanto evoluíram, além de oferecer um feedback do aprendizado.
O educador também gosta de propor avaliações lúdicas quando as habilidades são mais complexas, evitando que tudo o que foi ensinado seja avaliado em uma simples prova somativa. Para essa mesma turma, Guilherme e uma professora de Ciências propuseram o desenvolvimento de uma família de Minions – personagens do filme de animação Meu Malvado Favorito –, trabalhando fenótipos, regras de genética, probabilidades e dados. “Tiramos o caráter punitivo e aterrorizante da avaliação dessa habilidade”, relata o professor.
Formas variadas de ler os resultados das avaliações
Os formatos de avaliação também devem ser coerentes com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola. Instituições comprometidas com os resultados de processos seletivos para entrada em universidades, por exemplo, habitualmente submetem os alunos a avaliações que sejam equivalentes às adotadas em vestibulares. Mesmo que o formato adotado seja tão convencional como as provas de múltipla escola, Rodrigo Fonseca, afirma que, além de avaliar, ele pode gerar dados extras ao docente e mostrar caminhos para reorientar a rota do ensino.
“É fundamental que todo instrumento avaliativo, seja ele qual for, seja depois analisado; não só o instrumento, mas os resultados. A gente considera que a aplicação do instrumento é um fim em si. Ela não é. Tem que tabular, entender que questões não funcionaram, comparar uma sala com a outra – não para discriminar mas para poder trazer elementos que ajudem na leitura final daquela avaliação”, analisa.
Para o educador, mais do que se prender às classificações e conceito de cada tipo de avaliação é preciso compreender todas as possibilidades de resultados que elas podem oferecer. “Uma avaliação somativa, por exemplo, se é uma avaliação ao final do tratamento pedagógico, de final de ano, pode servir para avaliar como é que o trabalho foi feito, não o aluno, mas o currículo, o trabalho da escola, para que eu [professor] repense as minhas práticas. Então essa avaliação somativa pode ser uma diagnóstica para o ano seguinte também”, analisa Rodrigo.
Diálogo com outros componentes e autoavaliação
A professora Roberta conta que usa instrumentos variados de avaliação, como trabalhos em grupo, leitura de imagens para trocas de ideias e discussões e exercícios de cultura maker, com cartolinas, maquetes e protótipos. “Também considero a participação, as entregas e o engajamento nas atividades, tudo de maneira leal, respeitando as individualidades”, completa. Ela reforça a importância do acordo pedagógico estabelecido no início do ano para que os estudantes saibam como vão ser avaliados e entendam que não será apenas uma prova.
Dentro da sua proposta pedagógica, as avaliações formativas são muito importantes. “Como estratégia, à medida que as aulas acontecem, faço uma coleta de evidências para aferir se o objetivo de conhecimento chegou ao estudante e como eles o entenderam.” Recentemente, no 8.º ano, ela aplicou um projeto interdisciplinar sobre as culturas indígena e africana, junto às professoras de Geografia e Língua Portuguesa, com o mote “Racismo não é liberdade de expressão”. “Em História, conectei o tema com o Iluminismo. Baseados nas discussões, eles fizeram produções textuais e visuais, nas quais avaliamos não só o domínio do conteúdo, mas a interação com a equipe e o nível dos debates.”
Segundo a especialista Aline, também é possível realizar avaliações a partir de pequenos projetos com grupos operacionais, em que cada aluno tem o seu papel. Nesse modelo, as tarefas são distribuídas entre os integrantes, para que eles possam ser avaliados pelo professor e pelos colegas e até mesmo fazer uma autoavaliação, qualquer que seja o componente curricular. “Os alunos precisam criar o hábito de se autoavaliar. No entanto, muitas vezes os professores pedem que eles se deem uma nota, mas não é interessante que esse seja o único resultado. A autoavaliação vai trabalhar com o autoconhecimento, uma boa estratégia para que o estudante se perceba mais ativo no processo de ensino e aprendizagem”, conclui.
Por: Nova Escola