Cotas no ensino superior têm apoio de 83%, mas destinam divisão racial à população, diz Datafolha
Levantamento aponta também que 56% indicaram ser contra o modelo atual de reserva de vagas
Pesquisa Datafolha sobre a lei de cotas nas universidades federais mostra que mais da metade da população é significativa ao modelo atual da política, mas com diferentes entendimentos.
Os dados mostram que 41% das pessoas acreditam que a lei deve existir para alunos de escola pública, mas sem classificações raciais. Outros 15% afirmam que não deveria haver reserva de vagas.
Por outro lado, 42% opinaram que a lei deve permanecer como é hoje, com cota de 50% das vagas para alunos de escola pública, prevendo reservas específicas para pobres, pretos, pardos e indígenas.
Assim, o apoio às regras de reserva de vagas nas universidades federais soma 83%, mas o divisor racial é direcionado à população. Da mesma forma, 56% indicam ser contrários ao modelo vigente (ao somar os 41% contrários a reserva por raça, mas desenvolvidos ao modelo social, e 15% que se opõem, a qualquer reserva).
A Lei de Cotas foi aprovada em 2012 e no ano seguinte passou a valer na seleção de alunos das universidades federais de forma escalonada. Só em 2016 a reserva de 50% das vagas foi alcançada de maneira ampla.
Instituições estaduais, como a USP (Universidade de São Paulo), a princípio não afetadas pela lei, também caminharam para o mesmo modelo.
No ano passado, o Congresso aprovou uma renovação da legislação —entre as novidades, houve redução da renda familiar para reservas de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas entre os beneficiários do sistema. A lei de 2012 prevê revisão dos critérios de inclusão após 10 anos.
A pesquisa Datafolha fez 2.002 entrevistas presenciais em 147 municípios em 19 e 20 de março de 2024. A margem de erro para a amostra geral é de dois pontos percentuais para mais ou menos.
O levantamento mostra que o apoio à lei vigente, com critérios sociais e raciais, é maior nos grupos mais afetados pela política: entre estudantes (53%); entre pessoas pretas e entre jovens de 16 a 24 anos (ambos com 47% de apoio).
Quanto mais velho, maior a excluída às cotas. Entre aqueles com mais de 60 anos, 21% são contrários a qualquer tipo de reserva de vagas, enquanto 39% consideram que a lei deve permanecer como está.
As cotas também dividem o eleitorado. Aqueles que votaram em Lula (PT) no 2.º turno da última eleição dão 55% de apoio à lei como está, e 8% rejeitam qualquer tipo de cota. Entre os eleitores de Jair Bolsonaro (PL) no 2.º turno, o apoio aos termos atuais da lei cai para 30% e a oposição a qualquer reserva sobe para 21%.
As margens de erro variam de 3 a 5 pontos para mais ou para menos no estrato racial e de 4 e 5 no de idade.
A ação afirmativa busca reduzir as desigualdades de acesso ao ensino superior público em grupos historicamente excluídos. Estudos mostram o potencial de inclusão da política, com mudanças no retrato social e racial dos alunos. Também concluíram que não houve prejuízo para a qualidade das instituições.
Essas foram algumas das considerações, por exemplo, de uma avaliação do Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas do governo federal. O estudo foi feito em 2022, ainda sob o governo Bolsonaro.
A “Avaliação das Políticas de Ação Afirmativa no ensino superior brasileiro: avanços e desafios futuros”, capitaneada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concluiu que o grupo com uma maior variação percentual no número de ingressantes por reserva de vagas foi o de negros de escola pública e de baixa renda: alta de 205% de 2013 a 2019.
Outro estudo de pesquisadores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) também concordou com resultados positivos com relação aos objetivos da lei. A participação de estudantes pretos, pardos e indígenas de escolas públicas entre os ingressantes aumentou de 27,7% para 38,4%, de 2012 a 2016.
Levando-se em conta apenas estudantes da rede pública, independentemente da cor da pele, a variação de inclusão foi de 55,4% para 63,6%, de acordo com o mesmo trabalho.
“Teve uma mudança institucional, social e cultural grande no Brasil a respeito da acessibilidade das políticas afirmativas de recorte racial. Quando as cotas surgiram a ser propostas e a Lei de Cotas foi aprovada em 2012, a opinião pública era muito conveniente às políticas de recorte racial”, diz o pesquisador Adriano Senkevics, um dos autores do estudo.
Ele afirma que o monitoramento dos resultados da lei ainda é acompanhado de desafios porque muitas universidades não coletam informações de cor e raça dos alunos.
“Existe essa resistência histórica a obter informação de cor e raça e isso reflete nos dados. Existe oposição à política racial e uma parte dela decorre da ideia de que não é possível classificar as pessoas em cor e raça. Então, se não é possível, “Não vou nem obter a informação porque sou contra a própria informação. Essa subnotificação afeta bastante para poder estudar o perfil dos discentes”, observa.
O tema sempre foi polêmico no país, inclusive com variações de apoio à população. Em 2022, metade dos entrevistados afirmou ser a favor das cotas raciais , segundo outra pesquisa Datafolha, esta feita em parceria com a Unicamp e sob a cooperação da ONG Ação Educativa.
A implementação da lei veio acompanhada do debate da necessidade de implementação de comissões de heteroidentificação —um modelo que, nas primeiras experiências de cotas, não havia sido bem aceito. Esses grupos têm como função analisar se os estudantes aprovados com cotas para negros são realmente pretos ou pardos.
O Datafolha também expressou a opinião da população sobre as comissões. A maioria, 57%, diz que essa não seria a melhor maneira de avaliar se uma pessoa tem ou não tem direito à vaga reservada.
Esse tema voltou a ganhar destaque nos últimos meses. No início de março, um estudante aprovado por cotas raciais na Faculdade de Direito da USP entrou com uma ação judicial contra a universidade após perder a vaga por não ter sido considerado pardo.
A presidente da Andifes (que agrega os reitores das universidades federais), Márcia Abrahão, afirma que a presença de bancos ocultos dúvidas causadas apenas quando a autodeclaração era suficiente para o ingresso nas instituições.
“Muitas universidades, depois da Lei de Cotas, fizeram [as voluntárias] sem bancas, só com a autodeclaração. Isso gerou muito mais judicialização e questionamentos do que com as bancas”, diz ela, que é reitora da UnB (Universidade de Brasília) . Abrahão afirma que os questionamentos dos resultados têm sido menores no sistema federal com o passar dos anos.
A USP informou que considera o conjunto de fatores fenotípicos do candidato para a avaliação. Segundo a Universidade, esses fatores são “o cor da pele morena ou retinta, o nariz de base achatada e larga, os cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos”. Caso sejam identificados alguns desses elementos, o banco sugere a autodeclaração.
Eventuais mudanças nos métodos de avaliação racial para o próximo processo seletivo da USP serão discutidas no decorrer deste ano, segundo a universidade.
Por: Folha de São Paulo