CNE: as novas pautas do ensino superior
Igualdade de gênero, qualidade dos cursos e sustentabilidade estão na agenda dos indicados
O Conselho Nacional de Educação (CNE) ganhou novos integrantes. Em um contexto de recorrentes discussões sobre qualidade de oferta, eficiência do ensino a distância, reformulações no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e transformação tecnológica, o reforço é bem-vindo para o setor, que pode se beneficiar da oxigenação de novas visões e experiências.
Entre os cinco nomes selecionados pelo presidente Lula para compor a Câmara de Educação Superior, Monica Sapucaia Machado, doutora e mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é objetiva quanto à prioridade de sua atuação: igualdade de gênero.
“Essa é minha pauta de origem. Que a educação superior brasileira promova uma sociedade mais igual entre homens e mulheres. Uma realidade que ainda não vivenciamos, apesar de as mulheres serem maioria nos bancos universitários.” Membro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp (Conjur), Monica é autora do livro Direito das mulheres: educação superior, trabalho e autonomia e coordenadora da coletânea Women’s rights. Também foi assessora na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal, de 2009 a 2010. Em sua tese de doutorado, discutiu se a educação superior era uma ferramenta de autonomia econômica para as mulheres. “É claro que as mulheres formadas e com acesso ao mercado de trabalho são mais autônomas em relação às que não tem. Mas só educação não garante igualdade”, diz.
“Quanto mais qualificada você é, maior a diferença em comparação ao seu par do gênero masculino. No meu caso, em que tenho doutorado, por exemplo, ganho 62% a menos do que o meu par. Enquanto para uma pessoa que só tem ensino médio, a diferença está por volta de 18%. A educação pode ser um instrumento muito libertador, mas também muito opressor. Depende dos mecanismos oferecidos no processo educacional”, frisa.
Para a especialista, o CNE deverá se debruçar sobre “algumas questões práticas”, como a educação on-line. “Seja EAD ou no formato síncrono, existe um debate sobre o papel desses instrumentos tecnológicos. Eles são importantes mas precisam ser muito bem utilizados”, pontua. “Os estudantes têm uma realidade de trabalhadores e de trabalhadoras, e esses alunos também têm direito de acesso ao processo formativo. É preciso pensar em formas de se construir algo que garanta diálogo transversal e vivência coletiva, ao mesmo tempo que possibilite essa geração a acessar a educação superior e alcançar qualificação profissional.”
Celso Niskier, presidente da ABMES e reitor do Centro Universitário UniCarioca, deve contribuir com o conselho a partir da visão de gestor e da experiência com mantenedoras do setor. Para Niskier, um dos escolhidos, o principal problema enfrentado pela educação superior é “a adaptação para um novo modelo de ensino híbrido”. Os alunos, segundo ele, têm buscado cada vez mais flexibilidade curricular e cursos rápidos, focados no mercado de trabalho e no empreendedorismo.
“Pretendo propor ideias que possam levar a diretrizes para uma educação mais empreendedora e consciente do ponto de vista ambiental. A sustentabilidade do meio ambiente é fundamental para a educação dos dias de hoje e esse debate não será feito apenas pela Câmara de Educação Superior, mas também pela Câmara de Educação Básica”, adianta.
Na análise de Monica, o conselho deve olhar também para uma “questão mais profunda” – o papel da educação superior no desenvolvimento do país. “O que é a educação para o desenvolvimento econômico? Como construir um projeto de desenvolvimento social através da educação? Há [a necessidade de] um repensar sobre transição energética, revolução 4.0 e o lugar do trabalho. A educação superior precisa olhar para as habilidades que oferece e se essas habilidades conversam com a realidade”, pondera.
Maria Paula Dallari Bucci, professora da Faculdade de Direito da USP, é outro nome convocado pelo presidente. Secretária de educação superior entre 2008 e 2010, na gestão do então ministro Fernando Haddad, ela compara os desafios daquele período com o atual contexto. “Na época em que fui secretária, havia um duplo desafio, de ampliação do acesso à educação superior e de melhorar a qualidade dos cursos. Atualmente, me parece que o problema da qualidade se tornou um desafio ainda maior e deve ser a prioridade”, afirma.
A docente enxerga essa discussão como uma prioridade a ser trabalhada pelo CNE. “Com destaque para os cursos que formam professores e professoras para ensinar na educação básica. Precisamos melhorar muito essa formação no Brasil”, salienta.
A Universidade de São Paulo conta ainda com dois outros representantes no conselho: Otávio Luiz Rodrigues Júnior, doutor em direito civil pela USP que também integrou o conselho superior da Capes, e Ludhmila Abrahão Hajjar, doutora em ciências pela faculdade de medicina da USP que participou da equipe de transição para o governo Lula. Para Rodrigues Júnior, a expectativa é “a melhor possível em razão da qualidade da composição do Conselho.”
Educação básica
Para a Câmara de Educação Básica, oito nomes foram indicados pelo presidente Lula. São eles Cesar Callegari, ex-membro do CNE de 2004 a 2018, Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Israel Batista, ex-deputado federal (PSB-DF), Gastão Vieira, deputado federal que presidiu a Comissão Especial do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, Givânia Maria da Silva, professora quilombola da rede pública, pesquisadora e fundadora da Conaq, Cleunice Matos Rehem, ex-diretora-presidente da Associação Fórum Nacional das Mantenedoras de Instituições de Educação Profissional e Tecnológica (Brasiltec), Maria do Pilar Lacerda, ex-secretária da Educação Básica no MEC, de 2007 a 2012, e Mariana Rosa, membro da Comissão Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
A cerimônia de posse dos novos conselheiros acontece no dia 13 de agosto. Esses foram os primeiros membros indicados por Lula em seu terceiro mandato e dividem o CNE com nove indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022 – e que permanecerão no conselho até 2026.
Por: Revista Ensino Superior