Como avaliar competências digitais dos estudantes?
Evento em Brasília debate a inclusão das competências digitais na avaliação do PISA, em 2025, e como a avaliação vai se refletir nas escolas brasileiras
Em 2025, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), avaliação global para estudantes com 15 anos realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), vai medir, pela primeira vez, as competências digitais dos estudantes em todo o mundo.
Para debater a metodologia e como ela deve se refletir nas escolas brasileiras, o seminário “Avaliação de competências digitais de estudantes: pensando um modelo para o Brasil” reuniu perspectivas de especialistas e de secretarias de educação. O encontro foi realizado na quinta-feira (15), em Brasília (DF), e a íntegra está disponível no canal do YouTube do MEC (Ministério da Educação).
“Desenvolver uma prova como essa requer muito tempo e recursos”, afirmou Luis Francisco Vargas-Madriz, que atua no Programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do PISA. Ele contou que o modelo do PISA 2025, voltado às competências digitais, começou a ser planejado há quatro anos, com uma série de reuniões com especialistas para guiar o marco conceitual e as unidades de avaliação, além de estudos-piloto e laboratórios coletivos.
Luis explicou que o PISA 2025 avaliará a capacidade de participar de um processo interativo e autorregulado de construção de conhecimento e solução de problemas, utilizando ferramentas e práticas computacionais.
“Neste contexto, o âmbito da Inovação do PISA 2025, chamado Aprendizagem no Mundo Digital, tem como objetivo fortalecer a compreensão sobre quais habilidades e atitudes os estudantes precisam desenvolver para se tornarem pessoas autônomas e com aprendizado permanente em ambientes educativos e de trabalho cada vez mais digitalizados”, disse.
Isso se traduz em duas partes principais no modelo de competências: o primeiro é focado nos processos autorregulados de aprendizagem, que incluem avaliar o próprio desempenho, manter a motivação e o compromisso com a tarefa, monitorar o progresso e adaptar-se conforme necessário. A segunda parte é voltada às práticas de solução de problemas computacionais, que incluem analisar dados, realizar experimentos e construir modelos baseados em informações.
Ele apresentou um exemplo: os estudantes devem construir um modelo de previsão para o tamanho das populações de espécies marinhas. Será apresentado um tutorial sobre ecossistema, como construir modelos e interpretar gráficos. Após o tutorial, devem seguir as instruções do agente digital para realizar tarefas semelhantes de forma mais autônoma. Na sequência, os jovens aplicam o que aprenderam em um exercício mais interativo e menos guiado.
“Por exemplo, os estudantes precisam modelar um ecossistema de estrelas-do-mar, acessando informações e dados disponíveis, e utilizar soluções para lembrar como funciona o modelo”, detalha. Na etapa final, os alunos avaliam seu desempenho e compartilham como se sentem sobre a tarefa.
Conectividade significativa
Outro tópico debatido durante o seminário foi o processo de implementação do currículo de educação digital no Brasil.
“É fundamental encontrarmos a melhor maneira de medir as competências digitais dos nossos alunos para saber se a política está funcionando e se ela verdadeiramente tem efetividade”, afirmou a secretária de educação básica, Kátia Schweickardt. “Falar dessas competências digitais significa enfrentar a falta de inclusão social e digital do Brasil, direcionando os esforços para quem de fato precisa.”
Coordenadora da pesquisa TIC Educação, no Cetic.br, Daniela Costa também acredita que a inclusão digital só será significativa se promover a participação ativa dos indivíduos na sociedade, destacando o papel da educação para o uso responsável e consciente da tecnologia, indo além de habilidades técnicas.
“A inclusão digital não se torna efetiva se a gente não tiver a inclusão social. Na sociedade mediada por tecnologias digitais, a participação dos indivíduos nos espaços sociais depende cada vez mais do desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e competências digitais”, pontuou.
Ela ressaltou, também, o conceito de conectividade significativa, usado pelo Cetic. “Não basta medir o acesso; a gente tem que medir a qualidade do acesso, a qualidade do uso.” Para a especialista, é importante promover habilidades digitais que capacitem os indivíduos a refletir sobre as tecnologias, a conhecer seus direitos e deveres online e a agir de forma crítica, responsável e ética nos ambientes digitais.
Inspiração internacional
Sobre o que pode guiar o modelo de avaliação no Brasil, Lia Glaz, diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo, relembrou uma série de encontros promovidos pelo MEC, em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, Cetic e o Bid (Banco Interamericano de Desenvolvimento) voltados para lapidar o debate. “Olhamos para experiências do Uruguai, Chile, França, entre outros, para que a gente pudesse não copiar, obviamente, mas ter uma reflexão sobre o que talvez possa ser uma inspiração pro cenário brasileiro.”
Kátia Schweickardt concorda que as experiências internacionais são importantes, boas fontes a serem consultadas, mas é preciso considerar a realidade brasileira. “Somos um país com uma história colonial e racista, com questões profundas relacionadas a cor e raça. Nosso país é profundamente desigual, e o que acontece em São Paulo ou em Brasília é apenas uma parte dessa realidade.”
Na mesma linha de raciocínio, Ivan Siqueira, professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia), também alertou para a necessidade de se considerar a soberania nacional no desenvolvimento de um modelo próprio, adaptado à realidade brasileira.
“Não podemos nos esquecer do contexto vigente. Diferente do que tínhamos há uma década, quando as competências digitais começaram, inclusive em função do próprio trabalho do PISA, vimos que Alemanha, França e China fizeram isso em suas educações. Ou seja: já está claríssimo que o modelo de memorização não funciona. O problema é o que colocar no lugar. Esse é o desafio”, afirmou.
“Já sabemos que o modelo de educação baseado na memorização não funciona com as ferramentas de inteligência artificial, então é perda de tempo. Agora, construir um novo modelo é o desafio”, comenta. “Precisamos pensar no modelo em relação ao modelo de país.”
Consultora do Banco Mundial, Lucia Delagnello, que é ex-presidente do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira) e conselheira do Porvir, recomenda um caminho para a criação do mecanismo de avaliação digital.
“O Brasil deveria pensar nesses dois caminhos: o de incorporar um componente de avaliação de competência digital no Saeb (Sistema Nacional de Avaliação Básica) e pensar em instrumentos de avaliação e ferramentas que nos permitam pensar se os jovens estão recebendo, estão acessando as oportunidades educativas necessárias para que eles usem a tecnologia na sua vida, no mundo do trabalho, nas suas escolhas profissionais.”
Por: Porvir