A experiência do professor
Há cerca de 2,5 milhões de professores no Brasil para pouco mais de 47 milhões de estudantes. São quase 180 mil escolas espalhadas pelo país, desde os centros mais desenvolvidos economicamente até os rincões mais distantes, onde a luz é de gerador e a internet é uma promessa ainda por se concretizar. Ou seja: 1 em 4 brasileiros está na escola, iniciando sua jornada ou buscando uma formação complementar para melhorar no emprego ou aprimorar seus conhecimentos. O tempo médio no qual um brasileiro fica na escola não passa de 7 anos, ou seja, tempo insuficiente para concluir uma educação básica. Só metade dos estudantes que ingressam nas escolas chega ao ensino médio. A outra metade vai em busca de trabalho ou simplesmente espera algo melhor acontecer. No cotidiano da escola, o tempo médio de permanência diária não chega a 5 horas. Todas as outras horas, o que fazem? Onde vão? Quem cuida deles? E na escola, nessas 5 horas, o que acontece? Segundo os dados do Ideb, os estudantes do final do Ensino Fundamental aprendem, em média, metade do que deveriam aprender, considerando que esse aprender é um patamar mínimo de competências e habilidades.
Nesse mar revolto e escuro que é a realidade da escola brasileira, onde fica o professor? Ganhando, em média, quatro mil e quinhentos reais para uma jornada de 40 horas, além de ser uma das únicas profissões nas quais você trabalha antes de trabalhar e sempre leva trabalho pra casa, o professor brasileiro não tem tempo para ser um professor melhor porque, muitas vezes, ainda precisa de um terceiro turno para complementar a renda e, se for professora, tem ainda o turno adicional ditado pela sociedade machista que coloca mais de 80% das atividades domésticas nas suas costas. Quando ler? Quando participar de cursos de aperfeiçoamento? Quando, simplesmente, deitar de costas e olhar o céu para refletir sobre sua vida profissional?
No dia a dia, o professor brasileiro conta apenas com a sua experiência e com a troca de vivências com os colegas de profissão para dar conta do seu recado que é ensinar: o filme que assistiu, o livro que (a duras penas) conseguiu terminar mas, principalmente, as soluções que encontrou, na base da tentativa e erro, na intuição ou no simples desespero, para os problemas diários da sala de aula. É a experiência que conta, na troca de materiais, nos acordos tácitos para pressionar a coordenação ou para não observar uma norma absurda que surgiu do nada, sem consultar a quem interessa; é a experiência que conta quando se percebe a mudança no comportamento do estudante, antes alegre e agora choroso e quieto, a decisão de ligar para o conselho tutelar, de proteger crianças vítimas de abusos dentro de casa, porque no Brasil 81% dos casos de abusos e maus tratos em crianças ocorrem dentro de casa. E muitas vezes é o professor quem acode e acolhe. Depois perguntam por que os professores são, na sua imensa maioria, contrários ao homeschooling.
Diante desse cenário, ora desértico, ora pantanoso, da realidade das escolas brasileiras e da condição de trabalho dos professores, a experiência é que salva. Por isso, como diz o professor Jorge Larossa, “o professor não busca resultado, mas provocar efeitos, por mais imprevisíveis e inesperados que sejam”. O aprendizado, que os manuais chamam de “o fim do processo pedagógico da escola”, torna-se um lance de sorte, uma possibilidade entre várias. Professores e alunos são como náufragos que se agarram uns aos outros buscando sobreviver às incontáveis más notícias que tramam o tecido de suas vidas. Aprender vira bônus, quando uma conversa encaixa, uma atividade empolga, um sorriso contagia, uma alegria se espalha, uma narrativa emociona e joga os corpinhos para frente e dá brilhos aos olhos e dentes ao rosto. Aprender vira bônus porque o dia a dia é o de fugir das feras e dos fardos, do cansaço de uma vida repetida e do medo dos brutos que aparecem em todas as esquinas. Para os professores, uma aula é um hiato entre preocupações com as contas, com os filhos, com o companheiro ou companheira, com os próprios sonhos sepultados. Em meio a essa avalanche de pedras, nas brechas estreitas que aparecem, uma réstia de sol ou um fio de água pura escapam e iluminam e diminuem a sede que nunca cessa nas crianças e jovens que sonham e nos professores que lutam sem tréguas pelo fim de seus pesadelos.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso e Colégio Positivo.
Por: Colégio Positivo