“Nosso grande erro foi a demora em retomar as aulas”, diz presidente do CNE

Publicado por Sinepe/PR em

Ir na contramão da comunidade internacional e protelar a retomada das atividades presenciais em instituições de ensino trouxe ao Brasil inúmeros prejuízos, com tristes consequências a longo prazo. Segundo levantamento da Unesco, escolas ficaram fechadas no Brasil por pelo menos 40 semanas, média bem acima de outras nações. Especialistas apontam que a postura adotada pelo Brasil é reflexo da baixa relevância atribuída à educação no país.

Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro concorda com o diagnóstico. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explica quais são os desdobramentos desse cenário e lembra que em maio e julho de 2020 o CNE já havia aprovado resoluções com orientações claras sobre reorganização de calendário e currículo, atividades remotas, além de outras diretrizes dadas pelo CNE e por conselhos estaduais.

Segundo ela, havia expectativa de que as redes voltassem às aulas em agosto passado. Ainda assim, a grande maioria dos estados e municípios optou por protelar a retomada.

“Espero que agora todos retomem as atividades presenciais, mesmo sabendo que vamos continuar convivendo com atividades remotas, turmas pequenas para evitar aglomeração, alunos com máscara, respeitando os cuidados sanitários. Eu sou absolutamente a favor da volta às aulas no estado de São Paulo, por exemplo”, diz Maria Helena.

Na entrevista, ela também comenta assuntos como: o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), o protagonismo do MEC ao longo do último ano e o protocolo pedagógico ideal de volta às aulas. Leia:

A senhora inicia o ano com quais perspectivas? Frente ao cenário educacional, prejudicado pelos reflexos da pandemia, há entusiasmo, a situação continua ruim ou, em sua opinião, é ainda mais desafiadora?

Maria Helena Guimarães de Castro: Estamos começando o ano numa situação diferente da que esperávamos. Isso é, a pandemia está mais acelerada, há uma situação preocupante em alguns estados e municípios. Mas, de todo modo, entendo que a Resolução n.º 2 do CNE, homologada em dezembro passado, é, digamos, um parâmetro importante que está orientando as redes públicas e particulares de ensino da educação básica e ensino superior para reorganização das escolas e currículos. Neste sentido é que estou mais otimista.

Aprendemos muito em 2020. E, talvez, o principal legado que o último ano nos deixa é o fato de ter acelerado uma certa cultura digital na educação, de ter nos impulsionado a desenvolver atividades não presenciais, a trabalhar o ensino híbrido. De tal modo que 2021 já começa com ensino híbrido.

Qual a sua perspectiva sobre volta às aulas?

Maria Helena Guimarães de Castro: Acho muito improvável que antes do segundo semestre deste ano tenhamos uma situação mais controlada da pandemia, com vacinação para toda a população. Provavelmente, isso só acontecerá depois do segundo semestre. De todo modo, a boa notícia, por um lado, é que já iniciamos o processo de vacinação e, de outro, que conseguimos aprender muito no último ano. Isso fez com que escolas revissem suas propostas curriculares com base nos aprendizados de 2020.

As escolas já estão preparando suas avaliações diagnósticas e fazendo uma seleção de competências e habilidades, uma vez que será muito difícil cumprir, na íntegra, as propostas curriculares de 2020 e 2021. As escolas praticamente cumprirão dois anos em um, para garantir a reposição das aprendizagens.

De uma certa forma, o início do ano é preocupante. Por outro lado, no entanto, os aprendizados e legados do ano passado são bastante positivos. O que anima, também, é o fato de estarmos começando o ano com orientação clara por parte dos conselhos estaduais e municipais, de escolas de todo o Brasil, e das autoridades sanitárias com relação aos protocolos que devem ser observados no retorno às aulas.

Maria Helena Guimarães de Castro: Na minha perspectiva, não foi um ano perdido, de jeito nenhum. Foi um ano em que a educação finalmente entrou na cultura digital. O ano de 2020 praticamente inicia o século 21. Escolas e alunos que não têm acesso à internet – e são muitos – aprenderam a lidar com outras estratégias de aprendizagem. Se utilizaram de videoaulas, atividades síncronas e assíncronas, da televisão, do rádio e de material impresso. Nossos professores não estavam preparados, pois foi uma agenda que ninguém no mundo esperava, mas também é verdade que eles foram verdadeiros heróis.

E, portanto, o ano passado não foi perdido. Muitas escolas fizeram um trabalho de ótima qualidade. É claro que há alunos com maior facilidade para atividades remotas, outros, menos, alguns têm mais acesso à internet, outros não têm acesso. Essas desigualdades precisam ser trabalhadas na volta às aulas, com avaliações diagnósticas, recuperação da aprendizagem, garantindo que toda criança possa aprender. Esse é o esforço que faremos daqui pra frente.

De certa forma, como a senhora mesma comentou, a pandemia impulsionou o Brasil a caminhar em direção a um maior uso – com intenção pedagógica clara – das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Isso significa que o país esteja pronto para dar esse salto que se mostrou necessário no âmbito de uma tecnologia em favor da educação?

Maria Helena Guimarães de Castro: Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Portugal, Itália, França, Reino Unido. Nenhum país estava pronto, foi um problema mundial, não apenas nosso. É preciso lembrar, além disso, que a educação básica é presencial no Brasil e no mundo. Foi uma situação absolutamente imprevisível, para a qual nem as nações mais ricas estavam preparadas.

Por Gazeta do Povo