Aula ao vivo não é a melhor forma de ensinar durante a pandemia, diz educador de Harvard
O especialista em educação internacional e professor da Universidade Harvard, Fernando Reimers, tem pesquisado desde março de 2020 o impacto educacional da pandemia em vários países. Este mês, ele lançou o livro Leading Education Through Covid-19, ainda sem tradução em português, que conta experiências de 28 líderes educacionais durante a pandemia.
Para Reimers, que é venezuelano, a inovação tem sido a grande chave para conseguir educar neste momento. Ele discorda da metodologia das aulas ao vivo e diz que se não houver boa liderança, inovação e colaboração entre governo e sociedade, a pandemia pode resultar no “maior retrocesso na educação em um século”.
Qual o papel da inovação durante a pandemia?
A inovação tem sido fundamental para oferecer algumas formas de continuidade educacional durante o período em que as escolas não têm funcionado regularmente, embora certamente não tenha conseguido garantir as mesmas oportunidades de aprendizagem que as escolas oferecem ao ensinar pessoalmente, mesmo com todas as suas deficiências. Entre os que eu estudei, há várias características comuns, como conseguir educar crianças de diferentes condições sociais, como fizeram no Chile por exemplo. A intenção da inovação deve ser sempre garantir a aprendizagem do aluno, apesar de todos os obstáculos e dificuldades. Para dar certo, elas são feitas por equipes, muitas vezes em parcerias público-privadas, com lideranças humildes que promovem a voz e a participação de professores e membros da comunidade, facilitam alianças entre instituições e promovem a aprendizagem coletiva.
Acredita que há benefícios que podem vir deste período para a educação?
A pandemia nos mostrou a importância de cultivar as habilidades dos alunos para aprender de forma autônoma e a necessidade de habilidades digitais. Acredito que a ênfase nessas questões continuará após a pandemia e que continuaremos a buscar maneiras de complementar a educação presencial com a educação à distância.
Há outras formas de ensino remoto que não seja apenas deixar os alunos diante de telas de computadores?
Claro, existem muitas maneiras de tornar a educação a distância dinâmica e interessante para os alunos. Isso inclui a promoção da aprendizagem baseada em projetos e formas de ensino centradas no aluno, que combinam o estudo independente com discussões em tempo real com professores e colegas. Mas, para conseguir implementar formas mais eficazes de ensino remoto, os professores precisam ser treinados e apoiados.
Aqui no Brasil, em 2021, passamos a fazer a chamada aula ao vivo, em que os alunos que estão na escola e os que estão em casa assistem à mesma aula. Isso acontece em outro lugar?
Se isso acontecer em outros lugares, não acho que seja a maneira mais eficaz de ensinar nesse contexto. Eu acho que é melhor fazer projetos separados para o ensino presencial e para ensino remoto. Tentar fazer um projeto que funcione igualmente bem para ambos é um desafio que poucos conseguiram resolver bem.
Acredita que o ensino remoto vai continuar mesmo com o fim da pandemia?
Não acho que as escolas remotas devam continuar depois da pandemia porque há benefícios indiscutíveis na educação presencial. As escolas talvez possam achar formas de complementar o ensino com atividades remotas. Elas podem permitir que os alunos trabalhem com mais autonomia ou colaborem com outros alunos em escolas diferentes, dentro do Brasil e até mesmo em outros países. Isso seria muito benéfico.
Qual deve ser o impacto na aprendizagem dos estudantes no mundo?
Ainda não sabemos, mas é certo que muitos alunos não aprenderam quase nada, entre eles, muitos não voltarão à escola. A pandemia sem dúvida aumentará as desigualdades sociais. O grande desafio para os sistemas educacionais será tentar recuperar o aprendizado perdido e preencher essas lacunas.
Que outros efeitos a pandemia traz para a educação no mundo?
A pandemia tem efeitos diretos e indiretos na educação. Os efeitos diretos são aqueles que resultam da aprendizagem interrompida pelo fechamento da escola. Os efeitos indiretos são aqueles que resultam do impacto da pandemia na saúde e nas condições de vida dos alunos. Quando um membro da família fica doente ou morre, isso gera estresse e traumas para os alunos, dificultando os estudos. Quando um dos pais perde o emprego ou a renda, isso também afeta o apoio que as famílias podem dar aos alunos. Quando a violência doméstica aumenta em uma família, como resultado do estresse múltiplo criado pela pandemia, isso também afeta as chances de aprendizagem. Infelizmente, alguns desses efeitos continuarão mesmo depois que todo mundo da educação for vacinado. Os próximos anos serão muito difíceis para a educação. Exigirão uma liderança muito boa, muita inovação, muito profissionalismo e muita colaboração entre vários grupos sociais, entre o governo e a sociedade civil, para que a pandemia não resulte no maior retrocesso na educação em um século.
Por: Estadão