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Não basta decorar: ODS exigem ação, diálogo e compromisso das escolas

Em entrevista ao Porvir, Rebeca Otero, da Unesco, destaca como escolas, professores e estudantes podem transformar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em ações concretas

por Vinícius de Oliveira

Nesta quinta-feira (25), celebrou-se uma década da adoção dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), um compromisso histórico firmado por 193 países com o propósito de erradicar a pobreza extrema, combater as desigualdades e conter as mudanças climáticas. A data marca não apenas um marco internacional, mas também uma oportunidade concreta para repensar como esses objetivos podem, e devem, ser vivenciados nas escolas brasileiras.

Entre os 17 objetivos, o ODS 4, que trata da promoção de uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todas as pessoas, ocupa um lugar central. Mais do que uma diretriz internacional, ele é uma convocação para que a educação seja instrumento de transformação social. Os ODS não devem ser encarados como uma lista de números a ser decorada, nem como metas inalcançáveis ou distantes da realidade. São ferramentas práticas para transformar contextos locais, orientar políticas públicas e inspirar projetos educativos que conectem conhecimento, cidadania e sustentabilidade.

Embora tenham escopo global e dependam de decisões tomadas em níveis nacionais e internacionais, os ODS ganham vida no cotidiano das escolas. Eles se materializam nas práticas pedagógicas, nos projetos interdisciplinares, nas atividades extracurriculares, nos debates em sala de aula e, principalmente, na escuta ativa de educadores e estudantes. É na vivência escolar que essas metas se tornam reais. Por isso, é essencial envolver toda a comunidade educacional nesse compromisso.

Com esse propósito, e em celebração à data simbólica, o Porvir entrevistou Rebeca Otero, coordenadora de educação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil. Em sua fala, Rebeca destaca que temas frequentemente tratados como tabus na sociedade, como desigualdade de gênero, justiça social e participação democrática, são centrais para a formação cidadã e não podem ser ignorados pela escola. Ela defende que esses assuntos devem ser abordados com sensibilidade, mas nunca com silêncio. Só o diálogo é capaz de gerar transformação.

Boas práticas relacionadas aos ODS
Além de promover essa reflexão com especialistas, o Porvir também tem documentado e divulgado boas práticas de escolas, professores e redes de ensino que já trabalham os ODS de forma criativa. Essas experiências mostram que é possível aproximar a agenda global da realidade escolar, despertando o protagonismo de estudantes e educadores na construção de um futuro mais justo e sustentável. Acesse aqui e aqui.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista com Rebeca Otero e veja como os ODS podem, e devem, estar no centro de uma educação transformadora.

Porvir – O ODS 4 traz metas globais para a educação, mas sua realização depende do dia a dia da sala de aula. Como envolver os professores nesse debate, promovendo corresponsabilização e mostrando o impacto real de suas práticas na construção desses objetivos?
Rebeca Otero –
O ODS 4 é mais do que uma diretriz global: ele se concretiza nas práticas cotidianas de cada educador. Para promover a responsabilidade e a corresponsabilização desses profissionais, é fundamental que os professores sejam envolvidos como protagonistas na construção das metas. Isso passa por formações continuadas que conectem os educadores aos objetivos globais e às suas realidades locais, por materiais pedagógicos que traduzam os ODS em ações práticas e pela criação de espaços de escuta e diálogo, nos quais possam refletir sobre o impacto direto de suas práticas. O objetivo é que eles se sintam engajados e inseridos na promoção da equidade, da inclusão e da aprendizagem ao longo da vida, como preconiza o ODS 4.

Porvir – Muitos temas ligados aos ODS, como desigualdade de gênero, violência, justiça social e participação democrática, ainda são vistos como tabus em alguns contextos escolares. Como enfrentá-los de forma sensível, sem abrir mão do debate necessário?
Rebeca Otero –
Temas como desigualdade de gênero, violência, justiça social e participação democrática são centrais para o diálogo sobre os ODS e para a construção da cidadania plena. A Unesco defende que esses assuntos sejam tratados com sensibilidade, mas sem omissões. Isso exige formação adequada dos educadores, apoio institucional e a criação de ambientes seguros para o diálogo. Tais temas não devem ser evitados; é por meio de uma educação transformadora que devemos enfrentá-los, com empatia, escuta ativa e compromisso com os direitos humanos.

Porvir – Como garantir que a abordagem dos ODS em sala de aula vá além da simples memorização de conceitos e se transforme em um processo coletivo de aprendizagem, com a participação ativa de professores e estudantes?
Rebeca Otero –
A abordagem dos ODS em sala de aula deve ir além da memorização: ela precisa ser vivida, debatida e cocriada. Para isso, é importante desenvolver projetos interdisciplinares, aplicar metodologias ativas, utilizar a aprendizagem baseada em problemas e promover ações comunitárias. Ao relacionar a aprendizagem com o entorno da escola, estudantes e professores se tornam agentes de transformação, capazes de aplicar a agenda internacional em suas realidades. Por exemplo, estudantes que vivem em regiões litorâneas podem explorar a questão dos oceanos; em outros contextos, podem abordar hábitos saudáveis ou questões culturais. Assim, os conceitos se tornam significativos e enraizados para a vida.

Porvir – Os resultados das metas do ODS 4 costumam levar tempo para aparecer. O que pode ser feito agora, no curto prazo, para mostrar que essa agenda está em movimento e gerando impacto real?
Rebeca Otero –
Embora os resultados sistêmicos demandem tempo, há ações imediatas que podem mudar a percepção sobre os ODS. As redes de ensino podem investir em indicadores de progresso visíveis, como a redução da evasão escolar, o aumento da participação estudantil, a formação continuada e valorização docente, e a promoção da diversidade nas escolas. Além disso, é essencial fortalecer a comunicação das conquistas, com metodologias de trabalho baseadas em metas e indicadores de curto, médio e longo prazos, capazes de mostrar avanços concretos.

Porvir – Reformas como o novo ensino médio e a BNCC de Computação trazem oportunidades, mas também grandes desafios. Como transformar essas mudanças em compromissos concretos com a formação integral dos estudantes, incluindo competências digitais, emocionais e para o mundo do trabalho?
Rebeca Otero –
A Unesco reconhece que reformas como o novo ensino médio e a implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) de Computação são oportunidades para alinhar o currículo às demandas contemporâneas.

Para que esse alinhamento ocorra de fato, é necessário integrar competências técnicas, digitais e socioemocionais de forma transversal. É igualmente importante conectar o currículo às atividades extracurriculares e às realidades dos estudantes. O compromisso com uma formação integral deve estar refletido nas práticas pedagógicas, na gestão escolar e nas políticas públicas. Por exemplo, se o currículo contempla o desenvolvimento sustentável, esse princípio precisa estar presente no cotidiano escolar.

Porvir – O que significa, na prática, oferecer uma educação de qualidade em um país tão desigual como o Brasil?
Rebeca Otero –
Oferecer uma educação de qualidade em um país com desigualdades históricas, como o Brasil, exige reconhecer os diferentes pontos de partida. As metas do ODS 4 incorporam o princípio da equidade, que implica tratar desigualmente os desiguais para promover justiça social. Isso pressupõe implementar políticas afirmativas, garantir financiamento adequado, valorizar a diversidade cultural e linguística, e focar na aprendizagem de todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás, sobretudo os mais vulneráveis. A equidade na aprendizagem só será possível com um sistema educacional que acolha, e potencialize cada trajetória individual. Acredito que ainda temos muito a trilhar e espero que consigamos ter mais fôlego e engajamento para, ao menos, cumprir algumas das metas até 2030. Mas isso exige um esforço maior de toda a sociedade, das escolas e, no caso do ODS 4, de todos os envolvidos com a educação.

Por: Porvir

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